Pedido de uma moratória de cinco anos sobre as importações de agro-combustíveis
Ex.mo Senhor
Eng. José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Primeiro-Ministro de Portugal
Rua da Imprensa à Estrela, 4
1200-888 Lisboa
Excelência,
Nós, abaixo-assinados, somos membros da Rede Fé e Justiça Europa África (AEFJN) mandatada por 50 congregações religiosas missionárias que contam com 30.000 religiosos/as activos na Europa e em África.
Estamos preocupados com as centenas de milhões de Africanos que estão a perder as suas terras e os seus diversos recursos essenciais, devido a certas práticas agrícolas e comerciais nefastas e estimuladas pelas políticas energéticas da Europa.
Efectivamente, constatamos certas consequências para África:
A produção local e a comercialização de alguns agro-combustíveis sustentáveis podem, de facto, constituir para os agricultores africanos, em alguns casos, uma nova oportunidade de trabalho e de receitas.
Mas a realidade actual no continente africano mostra que grandes companhias europeias exploram as terras africanas para a produção industrial de agro-combustíveis, sem ter em conta a população e o futuro da região. O seu modo de produzir origina:
- uma maior dificuldade de acesso à água e a terras férteis por parte dos agricultores africanos,
- a ameaça de expropriação dos africanos das suas terras férteis ou próximas de infra-estruturas,
- a contaminação de plantas locais com o uso de sementes ou plantas geneticamente modificadas,
- a poluição com pesticidas.
Além disso, estas companhias estrangeiras recorrem a métodos de produção que oferecem pouco emprego local. Geralmente, elas não têm em conta os efeitos secundários negativos, tanto a curto como a longo prazo (ambiente, poluição e erosão dos solos, perda da biodiversidade).
Temos, por outro lado, provas de que a classificação de “sustentável” da produção de agro-combustíveis não pode ser assegurada simplesmente por meio dum sistema de certificação. A fixação de um sistema de certificação, a escolha de critérios sociais e ambientais e as avaliações são técnica e administrativamente demasiado complicadas para possibilitarem que um tal sistema seja eficaz no terreno.
Por fim, a concorrência entre os destinos a dar à produção agrícola (combustíveis versus alimentação), contribui para o aumento de preços dos produtos alimentares, tanto a nível local como internacional. Isto é mais gravoso para os pobres e para os países dependentes das importações para a sua segurança alimentar.
A AEFJN acredita que a actual directiva da Comissão COM (2008) 19 final, 2008/0016 (COD) não garante que a produção agrícola em África será sustentável, ou seja, que ela “responderá às necessidades das gerações do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras virem a responder às suas necessidades.” (Rapport Brundtland, 1987; Rio de Janeiro, 1992).
É dever dos estados membros se responsabilizarem pelas consequências das suas decisões e do que provocam nos países parceiros de África, em particular no que se refere ao direito da segurança alimentar das populações africanas. Isto deveria implicar:
- Considerar como objectivo INDICATIVO e não obrigatório a introdução de 10% de agro-combustíveis no combustível dos transportes (ver proposta da directiva para a promoção da utilização de energias renováveis, COM (2008) 19 final, 2008/0016 (COD);
- Aplicar o princípio da precaução em relação ao uso de Organismos Geneticamente Modificados (OGM);
- Exigir dos fornecedores a menção da origem dos seus produtos e de assegurar a sua “traçabilidade” (localização, história e trajectória do produto);
- Desenvolver outros meios realmente eficazes para resolver as questões do clima e diversificar o armazenamento energético, investindo em circuitos económicos benéficos e sustentáveis tanto para a África como para a Europa.
Esta moratória de 5 anos permitiria:
- Contribuir para o respeito dos direitos fundamentais dos africanos e não travar o desenvolvimento dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) com os quais os Estados europeus se comprometeram.
- Reduzir a pressão sobre os preços dos produtos alimentares;
- Pôr fim aos impactos negativos e irreversíveis sobre o ambiente e a sociedade que certas formas de produção actuais estão já a gerar.
- Finalmente, a moratória proporcionaria tempo para informar e consciencializar as populações e os actores.
Lisboa, 18 de Março de 2007
NOTA: a AEFJN convida todos os que se revêm nos princípios enunciados nesta carta a subscrevê-la e a enviá-la ao PM José Sócrates.
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