quinta-feira, novembro 19, 2009

Interrogações sobre a conferência de Shalom Schwartz hoje no ISCTE

Nota introdutória: a propósito da Conferência que o Prof. Shalom Schwartz proferiu hoje no ISCTE, Alan Stolerov - professor neste Instituto Superior - escreveu uma carta aberta aos seus colegas de profissão e alunos, interrogando-se sobre alguns conceitos queridos ao conferencista.

Como qualquer um pode ler na Wikipedia, Schwartz formou-se nos EUA tendo nos finais da década de 70 emigrado para Israel onde leccionou na área da Psicologia Social.




Caras e caros colegas,

A convite do programa doutoral em Sociologia, o Professor Shalom Schwartz da Hebrew University de Jerusalém dará hoje uma conferência no ISCTE-IUL com um título que invoca a importância de valores culturais.

O colega Shalom Schwartz tem sem dúvida uma obra importante na sua área de investigação e lamento não poder garantir a minha presença na sua conferência.

No entanto, o seu convite pelo programa doutoral em Sociologia provoca necessariamente algumas interrogações - não só sobre valores culturais, mas também académicos e, em consequência, sobre direitos humanos.

Neste momento em que estou a completar Relatórios sobre a Concretização do Processo de Bolonha que tratam de assuntos como a promoção da mobilidade estudantil e docente na Europa nos nossos cursos, não posso deixar de reflectir sobre a questão da mobilidade dos estudantes e docentes e investigadores palestinianos nos territórios ocupados por Israel, um dos países dos quais Shalom Schwartz é cidadão. Enquanto Shalom Schwartz tem toda a liberdade de movimento para proferir conferências e participar em actividades académicas e científicas regulares em todo o mundo, os seus colegas de qualquer das universidades palestinianas de Cisjordânia ou de Gaza são inteiramente impedidos de sair dos territórios ocupados para assistir a eventos académicos semelhantes quer em Israel quer no mundo. Esses colegas e estudantes nem sequer desfrutam dos direitos da liberdade de movimento na sua própria terra, estando sujeitos a bloqueios, check-points e outras formas de controlo sobre os seus corpos. Lembro que, em Gaza, o Estado de Israel tem impedido a saída de estudantes bolseiros para frequentarem cursos no estrangeiro. O Professor Shalom Schwartz pode participar em inquéritos comparativos entre 15 e tal países e provavelmente visitou a maior parte deles como parte natural da sua participação no projecto de investigação. Poderia um colega palestiniano, com os mesmos interesses científicos e igual competência, fazer o mesmo?

De facto, a vinda deste colega ao ISCTE-IUL a convite de um programa doutoral em Sociologia suscita interrogações e uma reflexão profunda sobre valores culturais, ou seja, valores académicos básicos, e direitos humanos fundamentais. A discrepância entre os direitos académicos de qualquer cidadão israelita e os direitos académicos reais e efectivos de qualquer colega palestiniano sob ocupação é flagrante e contradiz os valores académicos tradicionais. A esta injustiça a Sociologia não pode pretender neutralidade sem cair na hipocrisia ou mesmo cumplicidade na normalização de formas de opressão (sobre este tema, veja-se Zygmunt Bauman, Modernity and The Holocaust [Ithaca, N.Y.: Cornell University Press 1989]).

Evidentemente o Professor Shalom Schwartz não tem responsabilidade individual pela injustiça aqui invocada, nem pela ocupação que o seu país impõe há 42 anos ao povo palestiniano da Cisjordânia, de Gaza e de Jerusalém Oriental. Mas, da mesma forma que Israel castiga brutalmente todos palestinianos colectivamente enquanto povo contra o direito internacional, o Professor Shalom Schwartz participa na responsabilidade colectiva do seu país pela ocupação. Por isso, enquanto judeu, oriundo da mesma terra que Shalom Schwartz, e considerando a importância que o tema dos valores universais possui na sua investigação, acho que se deve tirar partido da discussão sociológica e psicológica sobre a diversidade de valores culturais para pensar na universalidade dos princípios da liberdade académica e dos direitos humanos em geral.

Com os melhores cumprimentos e saudações académicas,

Alan Stoleroff

Professor Associado do Departamento de Sociologia do ISCTE-IUL

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