domingo, maio 31, 2009

Europa aberta, Europa solidária

A Europa está em construção. E esta construção deve ser de todos nós e não apenas de umas cúpulas cujas intenções e propósitos não são nada transparentes. Basta ver o montão de papéis, com anexos e tudo, que eles pretendem consagrar, agora como mero "tratado", depois de não terem conseguido fazer dele a "Constituição europeia"! E isso praticamente à nossa revelia!

Como cidadão alentejano, português e europeu ("adoptado", pois sou de origem egípcia!), apraz-me partilhar a perspectiva que me move há mais de quatro décadas de vida e de integração europeias. Estudei em várias países europeus, depois de o ter feito no Egipto e no Líbano, e vim instalar-me em Portugal, já com uma família luso-egípcia, dois anos depois da Festa de Abril.

Pugnei sempre por uma Europa aberta. Aberta de mente e coração, e de fronteiras também! Aberta a nível interno ao mesmo tempo que externo.

A nossa Europa encerra uma grande riqueza humana e cultural! Mas esta riqueza é ainda uma potencialidade que dará os seus frutos se o património material e imaterial de todas as populações que a integram for plenamente respeitado e assumido: as culturas nacionais, regionais e locais, incluindo as culturas ditas populares, cheias de sabedoria ancestral e impregnadas por um sentido de identidade profunda e valiosa. O mesmo se deve dizer em relação à cultura das populações imigradas, de etnias e religiões tão diversas, que vivem no meio de nós e partilham as nossas angústias e esperanças...

Temos que assumir também os legados antigos, sobretudo quando estes continuam vivos em povos vizinhos, como é o caso do legado árabe e islâmico! Com a Primavera de Abril, Portugal tem redescoberto progressivamente essa vertente, longamente recalcada. Mas é a nível europeu que devemos lutar no sentido duma reconciliação histórica: ela toda deve tanto à civilização árabe! O recente lançamento da União pelo Mediterrâneo deve incluir impreterivelmente essa dimensão essencial, sob pena de vermos a cooperação política e económica desembocarem num impasse.

Quanto me agradou o livro de Miguel Portas acabado de sair: Périplo – histórias do Mediterrâneo (Almedina)! Enquanto os cabeças de lista de outros partidos focam a Europa nos seus livros e ensaios de promoção da imagem, o de lista do Bloco de Esquerda fala-nos dos povos vizinhos da outra margem...

Queremos pois uma Europa "solidária", em particular neste momento de crise. E aqui também uma solidariedade entre todos os estratos populacionais, com uma atenção especial para os pobres e os excluídos. Será que vamos continuar a tolerar, numa Europa que se diz humanista e democrática, a existência de largos milhões de cidadãos pobres e excluídos?

A Crise veio bater às nossas portas e parece querer demorar-se. A "abertura da mente" anteriormente referida aplica-se também à criatividade e à imaginação necessárias para sairmos dela. Temos que saber tirar as devidas ilações e não remendar apenas, deixando tudo na mesma. E para tal, impõe-se libertar-nos, em primeiro lugar, dos dogmas economicistas fabricados para servir o capital e não o Homem. Imaginar, de seguida, soluções novas e rasgar caminhos novos rumo a uma economia justa, distributiva e equilibrada. Um outro mundo é possível. Quiçá com gente nova a representar-nos junto dos órgãos de decisão...

O que é essa lógica que veda aos jovens o acesso ao primeiro emprego e empurra outros milhões de cidadãos para o desemprego, tirando-lhes a dignidade do trabalho e o ganha-pão honroso, ao mesmo tempo que ela clama para mais horas e anos de trabalho? Ao contrário dos arautos do neo-liberalismo e dos promotores do mercado livre (essa verdadeira arma de destruição maciça!), vozes abalizadas de economistas de vários horizontes têm vindo a demonstrar como a dinâmica do consenso e da partilha beneficia melhor e o capital e a sociedade. O livro do meu colega e amigo Manuel Couret Branco, Economics Versus Human Rights (Routledge, 2009), por exemplo, analisa como o economicismo estreito e a ganância capitalista se revelam a prazo contraproducentes, enquanto o respeito dos direitos do trabalho e a visão solidária, à vez nacional e internacional, podem garantir, ao mesmo tempo que o bem-estar de todos, o rendimento sensato do capital.

Precisamos, com urgência, de congregar esforços num espírito de solidariedade, unindo os grandes estados e os mais pequenos, os detentores do capital e as forças produtivas, os trabalhadores nacionais e os imigrantes, os governantes e tecnocratas e os povos que eles devem servir.

Mas não nos esquecemos também da imperativa solidariedade entre o Norte abastado e o Sul desfavorecido. Na hora global, só existem soluções globais! Não há Direitos humanos, se faltarem a populações inteiras do globo os meios de exercerem e alcançarem esses direitos – a começar pelo direito ao pão, à saúde, à educação, a uma vida minimamente digna.

Perante o alargamento do fosso que separava as nações do primeiro mundo do terceiro, essas comprometeram-se, mais que uma vez nas décadas de 70 e 80, em conceder um por cento do seu PIB para os países subdesenvolvidos. Nenhum país alcançou esta meta, nem de perto! A Suécia dos tempos do "socialismo humano" foi a única a ir até aos 0,7%, e isso durante alguns anos apenas.

Coisa análoga está a passar-se com ao tão apregoado Objectivo do Milénio das Nações Unidas que visa acabar com a pobreza mundial até 2015. Ainda antes da presente Crise, todos os peritos alertavam, ano após ano, que as metas definidas não eram cumpridas. O que vai acontecer agora com esta crise, que atingira prioritaria e profundamente os países em desenvolvimento!?

Intolerável! Inumano! Contra natura!

Temos que reagir! Temos que pedir contas aos nossos dirigentes por nós escolhidos – que até estão a enriquecer-se à nossa custa... – e exigir deles, com base nos pressupostos aqui expostos, uma mudança radical de rumo. Para o nosso próprio bem e a paz universal.

Évora, 29 de Maio de 2009

Adel Yussef Sidarus
(prof. univ. aposentado – asidarus@netvisao.pt)

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