quinta-feira, outubro 16, 2008

O Nº 7 da revista O Comuneiro está em linha


Caros Amigos e Companheiros:

A revista O Comuneiro sai, neste semestre, com algum atraso, mas temos realmente vivido algumas semanas de cortar a respiração.

Vivemos tempos de excepção, em que a pulsação histórica no mundo se acelera enormemente. Estes são os tempos que, por um lado, esperávamos e sentíamos ser inevitáveis; por outro lado, lamentamos não estar ainda preparados para eles, pois que estamos ainda longe de ver formado, a nível global, no plano teórico e no plano organizativo, um bloco político coeso, capaz de forçar de forma consciente e determinada uma ruptura efectiva com o modo de produção capitalista. É essa a via que procuramos servir, com o melhor do nosso esforço, não porque acreditemos na inevitabilidade dos "amanhãs que cantam", mas, pelo contrário, porque estamos convencidos de que pode mesmo não haver qualquer futuro digno para a civilização humana, se não actuarmos hoje, de forma livre e auto-determinada, tomando colectiva e democraticamente as rédeas do nosso próprio destino histórico. Será então a altura de jogar finalmente no caixote do lixo da história a crença numa providencial "mão invisível" que supostamente resultaria da benigna confluência da cupidez e da ganância individuais. No novo terreno em que se vai travar, doravante, a batalha ideológica, já não terá curso forçado a "teologia do mercado", tão propagada pelos arautos do pensamento único neoliberal. Mas ainda serão necessárias longas e duras batalhas – e não só no campo das ideias, naturalmente - para extirpar de vez essa superstição.

As épocas de crise são tempos de risco, de bifurcações sucessivas, de decisões críticas, de oportunidades que se oferecem uma só vez, em exíguas e fugazes janelas. Em nossa apreciação, esta crise em que estamos agora a entrar, vai prolongar-se, provavelmente por umas duas décadas, no mínimo. É essa também a opinião de François Chesnais, de cuja lucidez e penetração analítica nos orgulhamos por poder contar, uma vez mais, no artigo de abertura deste número. O desfecho e sequência histórica desta crise são absolutamente imprevisíveis, tanto podendo ser o pesadelo de uma pós-humanidade, de que Mike Davis nos dá uma antevisão arrepiante (bem plausível e, em muitos sentidos, já actual), como uma sociedade globalmente mais igualitária e participativa, em rumo para a abolição das classes sociais e da propriedade privada.

Por todo o tempo de uma geração, provavelmente, assistiremos a nível mundial a uma intensa agudização das lutas de classes, com numerosos episódios de ruptura de equilíbrio, tomada do poder, reordenamento socio-económico, com reversões pontuais e reconquista de posições. Pelo mesmo tempo, teremos agudos conflitos inter-imperialistas, guerras e insurreições, instáveis alianças entre alguns blocos nacionais e/ou regionais burgueses com forças revolucionárias em ascenção, de diversos matizes e configurações.

É bem real, no nosso campo, aquilo que na linguagem "diamática" doutros tempos, se dizia o "atraso no factor subjectivo" e que hoje se dirá, simplesmente, défice de projecto e de definição estratégica. Só na América Latina é que podemos ver levantar-se já o esboço coerente e estruturado de um desafio anti-sistémico, que por vezes se designa a si próprio de "socialismo do século XXI". Em outros azimutes é ainda grande a indefinição reinante. Nos primeiros embates, isso pode ser perigoso, porque, em tempos de anomia social, a direita populista e autoritária está sempre pronta para ocupar todo o terreno que encontrar livre. Essa não precisa de projecto algum: basta-lhe a brutalidade, a demagogia e a falta de escrúpulos, no serviço da classe dominante.

É também verdade, porém, que nunca poderíamos estar em posição de prever todos os desafios que teremos pela frente, dando-lhes respostas já estudadas e provadas. No calor da luta, ao sabor dos seus sucessos e revezes, a consciência transformadora irá, sem dúvida, ser moldada e temperada a um ritmo muito acelerado, derrubando pelo caminho muitas e bem espessas lombadas de dogmas "rrrevolucionários". É importante sabermos de onde vimos, que temos atrás de nós uma história, uma tradição de lutas e de esperanças. Que temos até, vá lá, alguma sabedoria e malícia histórica acumulada. Mas também é importante a disponibilidade de um novo olhar sobre o mundo. Mais vale errar por ousadia inexperiente do que por tacanhez escolástica. Alea jacta est!

Sobre a presente crise, suas causas e circunstâncias, temos ainda neste número uma preciosa e límpida exposição de Walden Bello. O nosso companheiro Emir Sader reflecte também sobre o tema, com especial incidência sobre o espaço latino-americano, em jeito bloguista que nós aqui coligimos. O californiano Mike Davis não se debruça sobre os intricados meandros dos "derivativos" ou do short selling, mas o seu agudo olhar de geógrafo e paisagista urbano capta também, como ninguém, estes tempos de crise como distopia real e presente.

Os nossos companheiros Virgínia Fontes e Reinaldo Carcanholo oferecem-nos duas reflexões teóricas sobre a economia política do capitalismo contemporâneo, com incidência na teoria do imperialismo. Ivonaldo Leite faz um balanço de revisita à Teoria da Dependência, concluindo que a notícia da sua morte contém graves exageros. João Mosca reflecte sobre o modelo de desenvolvimento prosseguido actualmente por Moçambique, contranstando-o com o da economia da era colonial.

Graças à prestimosa colaboração de João Esteves da Silva, enquanto tradutor, temos também um pequeno lote representativo do actual pensamento social crítico francês. Bernard Stiegler é talvez o mais ousado, conceptualmente, e também nisso um intelectual mais tipicamente parisiense, na linha cosmopolita interrompida com Foucault e Deleuze. A sua reflexão é de inspiração marxista (também freudiana), marcada pela escola crítica de Frankfurt e por André Gorz, dispondo contudo de grande amplitude e originalidade próprias. As suas observações sobre os efeitos da mercantilização e dos modernos meios de comunicação de massa sobre o processo social de "individuação" são penetrantes. É nesse mesmo campo e com as mesmas preocupações que se situa o esforço de Dany-Robert Dufour. Jean-Claude Michéa é um "caso" distinto, de um pensador ferozmente independente, orgulhosamente popular e provinciano, em ruptura total com o progressivismo elitista que, a seu ver, concentrando-se em questões pseudo-fracturantes de costumes, serve apenas de sinalizador de vanguarda à crescente mercantilização da esfera privada.

A Redacção de O Comuneiro

Ângelo Novo
Ronaldo Fonseca

Sem comentários: