sexta-feira, janeiro 23, 2004

A Bolsa ou a Vida II

Crónica de Alberto Matos na Radiopax, Beja, 20/1/2004

Além de deitar por terra este populismo barato que, afinal, sai tão caro, o aumento das mordomias dos gestores públicos é um indicador claro do destino que este governo pretende dar às funções sociais do Estado na saúde, na educação ou na segurança social. A privatização da gestão é apenas o primeiro passo da entrega de todos os sectores lucrativos aos bancos e seguradoras: o grupo Mello foi pioneiro no Hospital Amadora-Sintra e até ganhou um processo contra o Estado, representado por um ministro que foi (e será?) seu empregado. E há grupos norte-americanos, europeus e outros para abocanhar as restantes fatias do bolo – veja-se o Citigroup que acabou de comprar, por 15% do seu valor, o direito de cobrança de dívidas fiscais e à Segurança Social de 11,45 mil milhões de euros, na última operação da ministra das finanças para manter o défice de 2003 artificialmente abaixo dos 3%. Ainda dizem que não bons negócios…

Neste autêntico “é fartar, vilanagem…” que começou com a criação de Institutos e Fundações e prossegue com as gestões hospitalares e o que mais se verá, o Estado está a criar dois tipos de emprego: o dos gestores milionários e a respectiva corte de ‘engraxadores’ que serve para colocar clientelas políticas; e o trabalho precário para milhares de trabalhadores a ‘recibo verde’ que, com o futuro contrato individual de trabalho, ficam impedidos de passar a efectivos ao fim de alguns anos de contrato a prazo – isto é pior do que no sector privado. Infelizmente, este perfil neoliberal de emprego está também a ser adoptado por algumas autarquias com a multiplicação de empresas municipais, criadas à semelhança dos institutos, fundações e hospitais-empresa.

Este mau exemplo do Estado patrão estende-se ao sector privado, com a degradação geral dos salários num país em que os rendimentos do trabalho representam apenas 40,3% do PIB – isto é, quase 60% vai para o capital e, dentro deste, sobretudo para os bancos (que pagam apenas 16% de IRC) e para todo o tipo de actividades especulativas que engordam em paraísos fiscais, como a zona franca da Madeira. E as percentagens oficiais tornam-se ainda mais negras no país real, em que de um terço da economia é informal e a fuga e evasão fiscais continuam impunes.

Neste quadro, há que saudar a greve dos trabalhadores de toda a administração pública da próxima sexta-feira [hoje], 23 de Janeiro, apoiada por sindicatos da CGTP, UGT e independentes, alguns dos quais dirigidos por membros dos TSD, do partido do primeiro-ministro. Sobre a justeza desta greve pouco haverá a acrescentar. Espero que este dia geral de protesto se desdobre em múltiplas formas de luta eficazes que não dêem tréguas a este governo em guerra contra o mundo do trabalho.

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