sexta-feira, dezembro 19, 2003

A alterglobalização II

Por FRANÇOIS HOUTART

Durante a década de 1990 surgiram várias iniciativas: o People’s Power 21, congregação de movimentos asiáticos, a Conferência contra o Neoliberalismo organizada pelos zapatistas em Chiapas, o Outro Davos (1), etc. Aos poucos, para lá da própria oposição às políticas dominantes, nasceu a ideia de criar um contrapoder – Seattle (1999), Génova (2001), Cancun (2003) –, um lugar de encontro de todas as resistências, surgindo o Fórum Social Mundial (FSM) de Porto Alegre como contraponto que desafiava o Fórum Económico Mundial de Davos.
Não era nada evidente que fosse possível fazer convergir elementos de resistência tão heterogéneos. É certo que a base de tal reunião está claramente expressa na Carta de Princípios do FSM, mas a grande diversidade geográfica, sectorial e cultural dos que lutam contra o neoliberalismo e procuram outras vias é, simultaneamente, a força e a fraqueza destes.

Desde 1999, têm-se reunido dezenas de milhares de pessoas em torno de dois tipos diferentes de iniciativas: o protesto contra os projectos das grandes instâncias mundiais de decisão – Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI), OMC, União Europeia – e a iniciativa, mais institucional, dos Fóruns mundiais, continentais, nacionais e locais. Estas reuniões tornaram-se um facto político central. Ao longo dos tempos, a contestação dos organismos da globalização iria prosseguir naturalmente, com base num modelo que se tornara usual, o das manifestações e reuniões paralelas ao acontecimento. Como contraponto, podemos interrogar-nos sobre a natureza, os objectivos, o funcionamento e o futuro dos Fóruns Sociais.

A criação de um discurso político alternativo não está isenta de contradições nem de tensões.
Alguns falaram de um “movimento dos movimentos”. A expressão “Fóruns-espaços” parece mais adequada para classificar estes pontos de encontro, estas incubadoras de ideias (2). Não há neste espaço lugar para declarações finais, votos por maioria ou consignas – devido à heterogeneidade dos participantes, tudo isto poderia levar à paralisia ou ao desmembramento. Também não há presidentes ou comités de direcção, mas apenas um secretariado encarregue da organização e um conselho internacional para o Fórum Social Mundial. Um tal papel catalisador tem evidentemente as suas compensações. Os participantes podem fazer sugestões como aconteceu, por exemplo em Porto Alegre em 2003, com a ideia de se demonstrar a oposição à guerra que estava a ser preparada contra o Iraque (3), mas é difícil, nestas condições, definir objectivos políticos. Qual seria, aliás, a eficácia de o fazer?

1 - François Houtart e François Polet, L’Autre Davos, Paris, L’Harmattan, 1999.
2 - Francisco Whitaker, “Notas para o debate sobre o Fórum Mundial”, FSM, 2002.
3 - A 15 de Fevereiro estas manifestações reuniram, em todo o mundo, mais de 15 milhões de pessoas.

Resumido do artigo Forças e fraquezas do movimento por uma outra globalização do Le Monde diplomatique - edição portuguesa, Novembro de 2003.

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