A política portuguesa, a tal que se faz nos jornais, na rádio e na TV, tem-se alimentado lautamente com a demissão de ministros, libertação de presos vip’s e guerrrinhas surdas entre tribunais e Ministério Público.
Talvez por isso não tenha sido muito relevante a forma como os analistas políticos estão a encarar o referendo sobre a Constituição da UE.
Para já todos os partidos o defendem mas parece que ninguém o quer!
O Governo pretende uma data que a Constituição da República inviabiliza. A oposição já disse que não aceita alterar a disposição constitucional que não permite a simultaneidade de eleições e referendos.
Como é necessário um consenso entre oposição e governo para alterar a Lei funda mental parece que se avizinha um impasse.
Confesso que numa primeira abordagem do assunto não entendo muito bem as razões de fazer coincidir as datas das eleições europeias com o referendo sobre a futura Constituição.
O argumento de que se obteria uma maior participação de votantes para o credibilizar é demagógico. Que eu me lembre, as eleições para o Parlamento Europeu nunca superaram a participação de 50%, necessária para vincular os resultados do referendo.
Por detrás deste argumento há certamente outros interesses de estratégia política.
A oposição começa a dizer que afinal ao Governo não interessa o referendo e talvez lhe não faltem razões.
A coincidência das datas eleição-referendo iria politizar este último, a nível partidário, pois as campanhas pró e contra referendo seriam simultâneas com as campanhas eleitorais. Ora existindo desde já uma coligação PSD-CDS seria interessante ver como se compatibilizavam as posições dos candidatos de um e outro partido.
Bem sei que o dr. Portas passou já de eurocéptico para eurocalmo, mas a sua vocação atlântica não acompanha a sua vocação europeia...
O seu nacionalismo, mesmo que democrático, não lhe permitiria aceitar limitações que beliscassem a soberania nacional. A Europa foi boa enquanto nos inundou com milhões, mas esse tempo está a chegar ao fim...
Já para o PSD as contas são diferentes, As cúpulas do partido e a sua massa eleitoral foram sempre favoráveis à integração plena na UE.
Se o referendo se vier a fazer, a posição do PSD só muito dificilmente acompanhará a do CDS, quer na sua formulação quer na defesa do sentido do voto.
A estratégia que julgo estar na intenção do Governo, ou antes do PSD, será a de uma “coligação dos pequenos” de forma a conseguir que a futura Constituição Europeia colida o menos possível com as constituições nacionais e com a representatividade nos órgãos decisores.
Em teoria, o referendo é a mais lídima forma de expressão democrática ao permitir que a vontade dos cidadãos se possa exprimir sem sujeição a quaisquer peias partidárias.
Eles escolheram indirectamente o Governo, mas podem pronunciar-se directamente sobre questões que pela sua relevância ou oportunidade mereçam um consenso alargado.
A formulação do referendo, consagrada na Lei Nº 15A/98 refere três pressupostos importantes no seu Artº 7º:
- Não mais de 3 perguntas;
- Resposta sim ou não;
- Inexistência de considerações ou explicações sobre a matéria a referendar.
Daqui se infere que os votantes têm que estar bem cientes da matéria sobre que se vão pronunciar e compreender muito bem as consequências da sua resposta.
Os dois referendos nacionais que até à data se fizeram, em 28 de Junho de 1998 sobre o aborto e em 28 de Novembro do mesmo ano sobre a regionalização não ofereciam dificuldade de maior sobre este aspecto.
O primeiro tinha uma forte carga emocional e religiosa mas até o menos esclarecido dos cidadãos sabia o que significava a sua resposta.
O segundo também não oferecia grandes dúvidas e o sentimento de bairrismo deve ter ditado muitas respostas. Aos mentores políticos do “sim” ou do “não” não foi difícil explicar o alcance das opções sugeridas no referendo.
Contudo e em ambos os casos a participação dos votantes foi escassa e os referendos não tiveram poder vinculativo, pelo que o Governo ficava livre de decidir em última instância. Mesmo assim aceitou o veredicto popular e isso só lhe ficou bem.
No caso presente a figura muda e muito. A futura Constituição Europeia terá de ser um diploma complexo, abordando inúmeros aspectos, desde a representatividade dos estados membros às políticas externa e de defesa, passando pela economia.
Será um documento só acessível aos técnicos, difícil de reduzir a três perguntas de acessibilidade dilatada..
O Prof. Bacelar Gouveia, especialista em direito constitucional, advoga que “devem ser seleccionadas questões de interesse nacional sem serem demasiado técnicas nem demasiado banais”.
Lembra-me aqui a fábula: quem irá pôr o guizo no pescoço do rato?...
Num país com o nosso nível cultural, onde o analfabetismo ainda subsiste, será uma tarefa hercúlea fazer, ou tentar fazer, a pedagogia do referendo!
E mesmo que essa pedagogia pudesse ser feita e o país ficasse ciente das implicações que a Constituição nos poderia trazer, como formular as três perguntas de “sim” ou não”?
Teria sido muito mais fácil fazer um referendo a quando da adesão ao euro, como tantos países fizeram, e em que o “não” continuava a deixar-nos dentro da UE. Por que não se fez?!
No caso actual, desconheço as consequências de um resultado que não permitisse a ratificação da Constituição, mas creio que não nos seria favorável em nada.
O referendo, a fazer-se, não será uma “paródia democrática” como disse Jaime Gama nem uma “tragédia nacional” como vaticina um meu amigo.
Será, isso sim, um acto inconsequente, uma forma de gastar dinheiro e organizar caravanas às feiras e mercados para no fim contabilizar um número de votantes que permita aos saudosos do antigamente afirmar que o povo ainda não está preparado para a democracia...
Martins dos Santos
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