I - A origem histórica do Adufe (não, não estou a falar deste Adufe...)
A despeito das pequenas diferenças morfológicas entre os pandeiros quadrangulares trasmontanos e os adufes beirões e alentejanos, todos estes instrumentos são do mesmo tipo fundamental, e têm sido de facto considerados em bloco, no que se refere ao problema da sua filiação histórica. E, com base principalmente em razões linguísticas, atribui-se ao adufe origem árabe, a partir do aduff ou daff desses povos, também em certos casos quadrangular. Ernesto Vieira, notando o carácter feminino do tofe hebraico, segundo os versículos do Êxodo (XV, 20 e 21), relaciona os nossos pandeiros com esse instrumento (que, de resto, na versão portuguesa da Vulgata, é designado pelo nome de adufe).
Na verdade, o tofe hebraico era um membranofone deste tipo, provavelmente também de duas peles, e de uso exclusivamente feminino, cujo nome designa o velho pandeiro semita que se encontra na Mesopotâmia e no Egipto antigos, relacionado com os primitivos pandeiros da Arábia pré-islâmica e, seguidamente, com os tímpanos gregos e romanos, parecendo assim ser antes do formato redondo.
Adufe
O pandeiro quadrangular, a despeito da imprecisão e escassez de referências literárias e da total carência de elementos iconográficos, pode considerar-se de grande antiguidade entre nós, e a sua primitiva área de difusão deve ter sido outrora maior do que a actual que apontamos. Existe a menção do adufe — tocado por ordem de uma mulher — numa Cantiga de Amigo do século XIII; as mulheres que entraram nas «pélas» que faziam parte da Procissão a S. Jorge e a S. Cristóvão, em comemoração da batalha de Toro, ordenada por carta régia de D. João II, de 1 de Março de 1482, empunhavam adufes e pandeiros. Gil Vicente, no século XVI, aponta a generalidade do pandeiro entre nós nessa data, lamentando já então a sua decadência. O adufe vem citado no regulamento da procissão do Corpus Christi, do Porto, de 1621, e na Crónica dos Carmelitas, onde se diz que as mulheres de Lisboa cantavam e dançavam ao som desse instrumento. A antiguidade do adufe infere-se, entre nós, mais concludentemente, do seu formato primitivo e pouco evoluído, da sua tosca factura, da sua natureza de produto manual local, de fundas raízes tradicionais, e sobretudo da sua estreita relação com essas velhíssimas formas musicais regionais, mormente na Beira Baixa, onde serve de instrumento acompanhante de alguns dos mais arcaicos cantares que conhecemos em todo o País, que por vezes dificilmente podem mesmo ser acompanhados por outro instrumento rítmico.
Texto - Extraído e adaptado por PP do livro "Instrumentos Musicais Populares Portugueses", de Ernesto de Oliveira e Benjamim Pereira, Gulbenkian, 2000 para oI Encontro de Tocadores.
Ouça também Eras tão bonita
PS - por causa deste blog foi o cabo dos trabalhos para encontrar uma fotografia decente... os 30 primeiros links listados no google a propósito do "Adufe" tinham todos a ver com o Blog. Espero que ninguém faça um blog com o nome de "Flauta de tamborileiro" ou "Quercus coccifera" ou "Análise Multivariada"....
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