terça-feira, novembro 18, 2003

A Igreja e o altermundialismo

Aproveitando a deixa do APP, deixo aqui o testemunho do Padre Ermanno Allegri* a propósito do Fórum Social Mundial:

30.janeiro/2003 - Brasil - É perigoso ser fanático de Porto Alegre? Talvez. Quando, porém, as pessoas ou grupos ou nações descobrem uma referência forte na história em que vivem, nasce um entusiasmo diferente porque se percebe que algo de novo apareceu no horizonte. Esta terceira edição do Fórum Social Mundial, FSM, na capital gaúcha confirmou aquilo que foi a grande descoberta da primeira: o Mundo está cheio de gente boa, de gente que trabalha, que constrói caminhos de solidariedade, que percebe os problemas profundos do Mundo e encaminha soluções concretas.

Isso não é de uma meia dúzia de pessoas, mas são milhares de iniciativas que se multiplicam, se articulam em outras tantas milhares de redes, dentro das nações e internacionalmente. É gente que está construindo a verdadeira globalização da humanidade, onde existe o respeito pela diferença, onde se enfrentam os problemas das diferenças (e haja diferenças).

Uma globalização onde se re-descobre o valor profundo da pessoa humana e, portanto, o valor da espiritualidade e da mística, não visto como exercícios voluntaristas de perfeição individualista e de aproximação a um deus que está fora e longe da história sofrida e massacrada dos homens e mulheres deste mundo real, mas místico e espiritual no sentido de perceber e descobrir continuamente o valor e o mistério da VIDA e do Mundo como um presente infinito a ser respeitado e desenvolvido em sua radicalidade.

Tudo isso já existe em Porto Alegre? Sim, mas ainda não. Quer dizer, exatamente para não sermos fanáticos desta iniciativa e perdermos a compreensão da relatividade dos passos que fazemos, vejo que todos esses valores estão presentes no FSM como tendência histórica que quer dar um rumo novo à humanidade, mas a partir de trabalhos bem concretos. Agora, é claro, essa construção é um processo que poderá durar, quem sabe, ainda... séculos, mas temos consciência que começou um tempo novo. E na América Latina e em outros cantos do Mundo já podemos ver alguns frutos.

Não é por nada que Lula disse ser o resultado de um processo histórico e não, simplesmente, um líder que ganhou uma eleição. É tão bom sentir a alegria de ter participado desse processo e começar a ver seus frutos: esta é uma alegria contagiante em Porto Alegre, é uma consciência que aparecia na alegria das almas de jovens e velhos, cada um com sua preciosa bagagem de experiência e de luta.

Pessoalmente, com o FSM no coração, não posso deixar de pensar nas igrejas. Entre padres e religiosas, deviam estar lá mais de mil, e muitas das oficinas eram resultado de trabalhos de pastorais sociais, Cebs e setores eclesiais que certas autoridades queriam calar ou colocar no
escanteio como coisas que não são propriamente de igreja. E vi milhares de pessoas empurrando-se, para escutarem Leonardo Boff, Frei Betto...: é a igreja fermento, que não aparece, mas está presente e trabalha com todos que querem o bem dos outros.

Mas quanta gente de igreja nem aceita falar de um Porto Alegre para as igrejas: igrejas que deixem de ser autoritárias, que respeitem e prefiram os diferentes (mulheres, homossexuais, pobres), que se abram à confiança no Espírito da VIDA que trabalha em cada pessoa, em cada cristão. Igrejas que acreditem que nosso lugar de trabalho é o Mundo... que acreditem que havia mais igreja no FSM que em muitas catedrais.

*Diretor Executivo da Agência de Informação Frei Tito de Alencar para a América Latina (ADITAL)
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