quarta-feira, julho 23, 2003

Caro Ulisses Garrido,

Após ler a entrevista no Público de 20 de Julho, fiquei bastante surpreendido com algumas afirmações. Parece-me também uma visão bastante redutora e até ofensiva para vários movimentos a classificação de Sim ou Sopas (BE ou PCP) que dá o título à entrevista.

Não vou discutir exaustivamente a entrevista, pois penso que há outros espaços onde pode ser levada tal discussão de uma forma bastante mais produtiva, nomeadamente ao longo do processo de construção do II Fórum Social Português.
No entanto, não posso deixar passar a referência em tom de acusação às associações ambientalistas, pelo seu fundamentalismo face aos partidos.

Antes de mais, é importante compreender o que está por detrás de uma tal posição de oposição à presença de partidos no Fórum Social Português, por parte do movimento ambientalista. O movimento ambientalista tem uma génese substancialmente diferente da maioria dos movimentos sociais. Nele surgem diversas correntes. Uns, mais virados para a conservação da Natureza, incluindo alguns movimentos provenientes da protecção de coutadas do séc. XVIII e XIX e cuja origem é claramente monárquica. Noutro espectro completamente diferente, surgem os ecologistas radicais que defendem o ambiente e abordam os seus problemas numa perspectiva mais política e social, e que muito frequentemente derivam de correntes marxistas e/ou anarquistas.
Pelo meio não se podem esquecer os tecnocentristas, os institucionalistas, os os movimentos de libertação animal, os movimentos locais, etc. O movimento ambientalista é, assim, um movimento extremamente transversal, onde lado a
lado se pode encontrar o Rei e o Plebeu.

Ora, como podem estas organizações rever-se num Fórum onde apenas saem a público discussões sobre as uniões ou desuniões entre partidos de esquerda?
Deve parte destas organizações ser excluída, por não se encaixar no conceito e nas ideias de esquerda que alguns parecem querer afixar ao Fórum Social Português? Naturalmente que não, pois todas estas organizações têm muito a que apontar o dedo no actual sistema e também elas querem contribuir para a construção de um mundo mais justo e sustentável.

Surge assim de forma natural, sem quaisquer manipulações ou golpaças, esta oposição do movimento ambientalista à participação de partidos políticos no Fórum Social Português. Volto a frisar, no Fórum Social Português, espaço criado para dar voz aos movimentos sociais!

Naturalmente (e felizmente, caso contrário não teríamos Fórum Social Português) concordo com muitas questões que referes na entrevista. Uma delas, a centralização de protagonismos, tem vindo a preocupar-me desde os primórdios do Fórum Social Português. No entanto, volto a discordar com a afirmação de que «precisamos de encontrar mais personalidades que dêem a cara pelo FSP». Não, esse não deve ser o caminho do Fórum Social Português. O Fórum Social Português tem que dar voz a desconhecidos, criar novas personalidades, caso contrário corre o risco de ser apenas mais um espaço de exibição de ideias pré-concebidas, como em grande medida se viu durante o I Fórum Social Português. Não, o Fórum tem que dar voz aos jovens, às
mulheres, aos gays, às lésbicas, aos ciganos, aos imigrantes ilegais, aos ricos, aos pobres e a todos aqueles que a sociedade excluiu de falar. Todos em igualdade, todos sem mais, nem menos, protagonismos. As personalidades do Fórum Social Português somos e seremos todos nós, não aqueles que já o são na sociedade para a qual estamos a tentar construir a(s) alternativa(s).

Especialmente preocupante foi a exclusão quase total dos jovens no I Fórum Social Português. Os jovens sempre foram e sempre serão os engenhos da mudanças. As minorias excluídas são a catapulta. Os outros não são mais do que alicerces que se devem deslocar ao som dos sibilos primaveris. O som da mudança, movido pelos jovens.

Noutra parte da entrevista referes que a oposição ao Durão deveria ter sido mote da manifestação. Compreendo que a CGTP, veja no Durão um inimigo da classe trabalhadora, pelo seu fomento a políticas neoliberais, com a sua concretização nas recentes leis laborais. Não poderia estar mais solidário com a CGTP. Contudo, mais uma vez, tal mote seria um contra-senso ao espírito de diversidade do Fórum. O Fórum Social Português não deve ser visto como um espaço de oposição ao poder instalado, onde organizações se juntam para decidir reivindicações colectivas. O papel do Fórum deve ser o de construir o contra-poder e não de fazer uma batalha anti-poder. Deve procurar abrir caminho à construção conjunta de alternativas ao sistema económico vigente que está na origem da maioria dos problemas sociais e ambientais que os diversos movimentos sociais confrontam no dia a dia. O Fórum Social Português deve assumir-se como subsidiário do Fórum Social Mundial, procurando criar essas alternativas no panorama nacional e agindo como parte independente de um único movimento global alternativo.

Finalmente, e como ainda não tive oportunidade de o fazer anteriormente, quero agradecer o teu valioso empenho na condução de muitas reuniões e assembleias do Fórum Social Português, com a certeza de que, na tua ausência, teria sido bastante difícil chegar a esse evento histórico que foi o I Fórum Social Português.

Que a cooperação continue, a caminho do II Fórum Social Português!

GBB

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