domingo, outubro 10, 2010

Frente Polisário: o possível regresso às armas


Mohamed Abdelaziz, Secretário-Geral da Frente POLISARIO e Presidente da República Saharaui, fala sobre a imperativa libertação do povo saharaui, a responsabilidade da comunidade internacional ... e do possível regresso às armas.

A entrevista foi concedida ao jornalista José María Sadia, do jornal La Opinión de Zamora. Nela o Presidente da RASD afirma: «Do que vier a suceder até de Abril dependerá o regresso ou não à luta armada»

Mohamed Abdelaziz acaba de efectuar mais uma visita a Espanha para difundir a mensagem da necessária libertação do povo saharaui, cujo território, o Sahara Ocidental, foi ocupado por Marrocos há quase quatro décadas. Nela afirma: «Somos partidários da via pacífica, mas temos todo o direito de utilizar a força das armas», caso a comunidade internacional não assuma as suas responsabilidades perante o problema.

Pela sua evidente actualidade, reproduzimos alguns extractos dessa entrevista.

Em que ponto se encontra a relação do seu povo com Marrocos?

A ocupação ilegal do Sahara Ocidental por parte de Marrocos dura há já 35 anos. É um conflito com os saharauis que se viram ocupados depois da retirada de Espanha em 1975. Até hoje, face aos saharauis, Marrocos prossegue uma política de tentativa de genocídio. Simultaneamente, o seu Governo está a obstaculizar os esforços das Nações Unidas para solucionar a situação. Marrocos está a violar os direitos humanos nas zonas ocupadas, saqueia, espolia e rouba os nossos recursos naturais de forma ilegal e em grande escala. Mantém um muro de mais de 2.700 quilómetros no Sahara Ocidental com minas anti-pessoal e material bélico, impede o acesso ao território a observadores internacionais independentes e dificulta o seu livre contacto com os cidadãos encarcerados pelo Governo marroquino. É um dos últimos Estados que prossegue uma política colonial no século XXI. Somos a última colónia em África. Vivemos numa situação crítica, divididos entre refugiados e exilados. Muitos têm sido liquidados ou sequestrados e encarcerados pelas autoridades marroquinas.

Que grau de respeito tem o Governo de Mohamed VI em relação a si?

Tenho que recordar que somos vítimas de uma política de expansão por parte do Governo de Rabat. Temos muito respeito e apreço para com o povo marroquino e o único problema que temos é com o seu Governo, que se nega a reconhecer os nossos legítimos direitos. Quando cessar esta situação e for reconhecida a existência do nosso povo e deixarem de ocupar o nosso território, estamos dispostos a manter as melhores relações de amizade e fraternidade com os nossos vizinhos.

Do lado espanhol, a gestão desta situação na actualidade cabe a José Luis Rodríguez Zapatero. Decepcionou-o a forma como ele tem tratado o conflito?

Há um ponto muito importante: Ante as Nações Unidas, Espanha continua a ser a potência administrativa do Sahara Ocidental. Partindo daqui, devo recordar que Espanha é responsável pelo que ocorreu no território. Também há que dizer que se o Governo de Espanha assumir plenamente as suas responsabilidades e defender a necessidade de resolver o conflito pela via democrática, seguramente o problema terá um mais rápido desenlace, a que está também obrigado pelo seu importante papel na União Europeia e na ONU. Por isso, apelamos ao Estado espanhol para que assuma a responsabilidade, tal como o fez Portugal em relação a Timor Oriental. Neste sentido, lamentamos que o actual Executivo de Zapatero não esteja a desempenhar o papel que cabe a Espanha.

Acha que é uma questão de medo face a Marrocos?

Não creio que Marrocos tenha as cartas que lhe permitam utilizar a força contra a Espanha, a pesar da continuada política de chantagem que exerce contra todos os seus vizinhos. Não creio que haja algo que possa justificar um suposto medo de Espanha face a Marrocos, já que é este país magrebino quem necessita do Estado espanhol e não o contrário.

Sempre apostou num via diplomática para a resolução do conflito. Vai continuar a defender essa postura?

Quero deixar claro que o povo saharaui tem o seu direito à autodeterminação e também pode utilizar a luta armada como forma legítima para alcançar esse direito. Por outro lado, o nosso povo não está de forma nenhuma disposto a jamais a abandonar a sua luta. Preferimos a via pacífica para resolver o conflito e dar ao povo saharaui aquilo a que ele tem direito. No entanto, se nos vemos obrigados de novo a utilizar a via militar assumiremos as nossas responsabilidades e voltaremos a utilizá-la. Desejamos que Marrocos não nos ponha outra vez ante essa situação.

Há pessoas na Frente Polisário que lhe exigem que aposte na via armada?

Eu não diria que há pessoas que nos pedem que voltemos à violência, mas sim que todas as bases do Sahara Ocidental, militares e civis, insistem e pressionam para que regressemos à guerra. O motivo é a sua decepção e longo período de espera face à passividade das Nações Unidas para que assuma as suas responsabilidades.

Está a ver-se amanhã de arma na mão?

O Conselho de Segurança da ONU estabeleceu um prazo até ao próximo mês de Abril e concedeu o mandato à MINURSO (Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental) para manter o cessar-fogo e preparar a consulta. Não creio que até essa data ocorra nada de extraordinário e manter-se-á o esforço para reatar as negociações entre as duas partes. Até lá, podem surgir informações e factos que justifiquem uma opção ou outra.

Fale-nos de como é o quotidiano en El Aaiún, capital do Sahara Ocidental, e nos acampamentos de refugiados de Tindouf?

Em El Aaiún, os saharauis estão no seu território nacional, mas as pessoas sentem-se como se estivessem numa enorme prisão. É uma prisão muito grande, porque diariamente enfrentam a repressão das autoridades marroquinas e a violação das liberdades fundamentais. Também face à presença imensa de colonos no Sahara Ocidental que, cada vez mais, estão convertendo os saharauis numa minoria no seu próprio território. Por isso, gostaria de aproveitar este momento para fazer apelo aos espanhóis para que vão até ao Sahara Ocidental como observadores internacionais independentes e sejam testemunhas da situação em que vivem os reprimidos saharauis e construam um escudo que os proteja desta injustiça. No que se refere aos acampamentos, os saharauis vivem livres, mas não estão cómodos nem felizes. Estão longe do seu território nacional e sentem que o estão porque a isso foram obrigados. As famílias estão divididas e já aguentam esta situação há muito e demasiado tempo. Estão convencidos de que a comunidade internacional, inclusive Espanha, os abandonou e atraiçoou. É como se os tivessem deixado na boca da fera marroquina para que esta os mastigue. Também nos acampamentos necessitam de tudo porque não têm os seus próprios recursos naturais, que lhes foram roubados por Marrocos. Em resumo: os saharauis vivem uma tragédia, mas mantêm a resistência para pôr fim à situação e alcançar a liberdade definitiva e usufruir dos seus legítimos direitos.


Um percurso

A ligação de Moahmed Abdelaziz ao Movimento Nacional de Libertação Saharaui tem as suas raízes em 1968, quando se junta à organização liderada por Mohamed Sidi Brahim Basiri. Em 1970 realiza-se em El Aiun a primeira grande manifestação pública saharaui reclamando a independência. A Legião Espanhola dispara sobre a multidão assassinando 40 pessoas. A polícia espanhola detém Mohamed Sidi Brahim Basiri, de quem nunca mais se voltou a saber o paradeiro. Este acto foi considerado uma declaração de guerra contra os saharauis. O embrião da Frente Polisario havia nascido.

Em 1976 Mohamed Abdelaziz é eleito secretário-geral da Frente POLISARIO e Presidente da República Árabe Saharaui Democrática (RASD). Apesar de ser um chefe militar de reconhecido mérito, tendo imposto graves reveses ao exército marroquino, Abdelaziz sempre apostou na via diplomática para recuperar o Sahara Ocidental, ocupado por Marrocos desde o abandono, em 1976, da antiga potência colonial. O povo saharaui continua a aguardar a possibilidade de poder participar no Referendo de Autodeterminação há muitas décadas prometido e que levou à constituição da própria MINURSO.

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