A edição de 31 de Julho do diário britânico The Independent publicou um artigo de Robert Fisk que tomámos a liberdade de traduzir e aqui publicar, porque levanta um conjunto de questões a que interessa darmos resposta em vez de assistirmos à resposta que outros dão. Em nosso nome.
Israel entrou na UE sem que ninguém desse por isso
A morte, esta semana, de cinco militares israelitas num acidente de helicóptero na Roménia não despertou grande interesse jornalístico.
Estava a decorrer um exercício militar conjunto NATO-Israel. Bom, nesse caso não há problema. Agora imaginem, nesta semana, a morte de cinco combatentes do Hamas num acidente de helicóptero na Roménia. Ainda estaríamos a investigar esse fenómeno extraordinário. Reparem, não estou a comparar Israel ao Hamas. Israel é o país que, justificadamente, abateu mais de 1.300 palestinianos em Gaza há 19 meses atrás – dos quais mais de 300 crianças - enquanto os viciados, sedentos de sangue, e terroristas, do Hamas mataram 13 israelitas (três deles soldados que morreram vítimas de "fogo amigo").
Mas há um paralelo. O juiz Richard Goldstone, um eminente juiz judeu sul-africano, considerou, no seu relatório de 575 páginas para a ONU sobre o banho de sangue em Gaza, que ambos os lados cometeram crimes de guerra - foi, óbvia e justamente, chamado de "malvado" por todos os tipos de apoiantes de Israel nos E.U.A., justamente indignados, e o seu excelente relatório foi rejeitado por sete governos da UE - e, portanto, uma questão se nos coloca. O que está a NATO a fazer quando participa em jogos de guerra com um exército acusado de crimes de guerra?
Ou, mais precisamente, o que diabo está a UE a fazer quando se acomoda deste modo aos israelitas? Num livro notável, pormenorizado - embora um pouco enfurecido - a publicar em Novembro, o incansável David Cronin apresenta uma análise microscópica das "nossas" relações com Israel. Acabei de ler o manuscrito. Deixou-me sem fôlego. Como ele próprio diz no prefácio, "Israel desenvolveu laços económicos e políticos de tal maneira fortes com a UE na última década que se tornou um Estado membro da União, excepto no nome." De facto, foi Javier Solana, o cão tinhoso da política externa da UE (e antigo secretário-geral da NATO), quem na verdade disse o ano passado que "Israel, permita-me dizer, é um membro da União Europeia, sem ser membro da instituição."
Como? Sabíamos isto? Votámos isto? Quem permitiu que isto acontecesse? Será que David Cameron - agora tão empenhado na entrada da Turquia para a UE – está de acordo com isto? Provavelmente está, pois ele apresenta-se como um "amigo de Israel" desde que este país produziu um excelente conjunto de passaportes britânicos falsos para os seus assassinos no Dubai. Como Cronin diz, "a cobardia da UE para com Israel contrasta com a posição forte que tomou quando grandes atrocidades ocorreram noutros conflitos." Depois da guerra entre a Rússia e a Geórgia em 2008, por exemplo, a UE encarregou uma missão independente de saber se o direito internacional tinha sido violado; e pediu um inquérito internacional sobre as violações dos direitos humanos no Sri Lanka após a guerra contra os Tigres Tamil. Cronin não ilude a responsabilidade da Europa no holocausto judeu e concorda que haverá sempre um "dever moral" por parte dos nossos governos para assegurar que tal nunca se repetirá - apesar de eu ter reparado que Cameron se esqueceu de mencionar o holocausto dos arménios em 1915, quando estava a embalar os turcos esta semana.
Mas a questão não é bem esta. Em 1999, as vendas de armas da Grã-Bretanha a Israel - um país que ocupa a Cisjordânia (e Gaza, também) e constrói colónias ilegais para judeus, e apenas para judeus, em território árabe – foram de £ 11,5 milhões; em dois anos este valor quase duplicou, para £ 22.5m. Isto incluía armas de pequeno calibre, kits para fabrico de granadas e equipamentos para aviões de combate e tanques. Houve algumas recusas após Israel ter utilizado tanques Centurion modificados contra os palestinianos em 2002, mas em 2006, o ano em que Israel matou outros 1.300 libaneses, quase todos civis, noutra cruzada contra o “terrorismo mundial” do Hezbollah, a Grã-Bretanha concedeu mais de 200 autorizações de venda de armas.
Alguns dos equipamentos britânicos, é claro, foram para Israel via E.U.A.. Em 2002 a Grã-Bretanha deu "head-up displays", fabricados pela BAE Systems para a Lockheed Martin, que os instalou nos caças-bombardeiros F-16 destinados a Israel. A UE não se opôs. Nesse mesmo ano, recorde-se, os britânicos admitiram que tinham formado 13 membros das forças armadas israelitas. Aviões dos E.U.A. transportando armamento para Israel, em plena guerra do Líbano em 2006, foram reabastecidos em aeroportos britânicos (e, infelizmente, parece que em aeroportos irlandeses também). Nos três primeiros meses de 2008, autorizámos outros £ 20 milhões de armas para Israel - mesmo a tempo para o ataque a Gaza. Os helicópteros Apache usados contra os palestinianos, diz Cronin, contêm peças feitas por SPS Aerostructures em Nottinghamshire, Smiths Industries em Cheltenham, Page Aerospace em Middlesex e Meggit Avionics em Hampshire.
É preciso dizer mais? Israel, por sinal, foi elogiado pela sua ajuda "logística" à NATO no Afeganistão - onde matamos anualmente mais afegãos do que, habitualmente, os israelitas matam palestinianos – o que não é surpreendente pois o chefe militar de Israel Gabi Ashkenazi visitou a sede da NATO em Bruxelas para discutir um estreitamento dos laços com esta organização. E Cronin argumenta convincentemente com um extraordinário - quase obscenamente belo - acordo financeiro na "Palestina". Os milhões de libras dos fundos da UE para projectos em Gaza. Estes são regularmente destruídos por Israel com armamento norte-americano. Então é assim. Os contribuintes europeus pagam os projectos. Os contribuintes dos E.U.A. pagam as armas que Israel utiliza para destruí-los. Em seguida, os contribuintes da UE pagam para os projectos serem reconstruídos. Depois os contribuintes dos E.U.A. ... Bom, já devem ter percebido. Israel, por sinal, já tem um "programa de cooperação individual" com a NATO, que integra Israel nas redes de computadores da NATO.
Apesar de tudo, é bom ter do nosso lado um aliado tão forte como Israel, mesmo que o seu exército seja canalha e alguns dos seus homens criminosos de guerra. Chegados aqui, por que não pedimos ao Hezbollah para ingressar também na NATO - imaginem como as suas tácticas de guerrilha iriam beneficiar os nossos rapazes em Helmand. E dado que os helicópteros Apache de Israel matam muitas vezes civis libaneses - por exemplo, uma ambulância cheia de mulheres e crianças, em 1996, desfeita por um míssil ar-terra Boeing Hellfire AGM 114C - vamos esperar que os libaneses possam também enviar uma saudação amigável ao povo de Nottinghamshire, Middlesex, New Hampshire e, claro, Cheltenham.
Sem comentários:
Enviar um comentário