Em meados do 7º ano do liceu decidimos – o Monteiro e eu – dar um salto à Associação de Estudantes do Técnico onde funcionava então o turismo estudantil que proporcionava viagens a preços convidativos.
Alguém nos tinha dito que era um edifício atarracado que ficava logo à entrada, do lado esquerdo de quem entrava pela Alameda Afonso Henriques. Lá fomos. Nunca lá tinha posto os pés e o Monteiro, muito provavelmente, também não.
Entrámos. Em baixo era a cantina. Sentia-se logo pelo cheiro. Perguntámos onde ficava o turismo. Apontaram-nos para o andar de cima. Subimos. Então, no patamar entre o primeiro e o segundo lanço de escadas, um grande cartaz de papel de cenário, cobrindo toda a parede por debaixo da janela, reclamava a letras vermelhas garrafais: «Libertem Saldanha Sanches!». O nome não me dizia nada mas o seu conteúdo e a forma como era expresso intimidaram-me.
Não me lembro já do que fomos tratar ao turismo. Se calhar apenas recolher informação genérica. Na altura publicavam uns caderninhos com todos os voos programados para o verão, com horários de partida por destino e os preços. Se calhar limitámo-nos a trazer um desses livrinhos para sonharmos no café.
Então, ao descer, ao olhar de cima esse cartaz escrito a grandes letras vermelhas, fui tomado por um enorme deslumbramento. O de que, apesar da ditadura, da repressão em que vivíamos, tinha sido possível, naquele edifício, criar uma ilha de liberdade onde se pudera gritar aquela exigência.
Naquele «libertem Saldanha Sanches» não havia datas nem razões ou explicações. Apenas aquela exigência. Mas a sua universalidade era tão directa e absoluta que nada mais era necessário acrescentar.
3 comentários:
Se calhar era porque não se vivia em ditadura coisíssima nenhuma. Vivia-se num estado autoritário, sim, mas muito longe das realidades ditatoriais Socialistas, Nacional-Socialista ou Fascista.
O autoritarismo das ditaduras não é independente da resistência dos oprimidos. E isto foi particularmente visível em Portugal onde o salazarismo, ao longo de 48 anos, utilizou o "chicote" conforme as suas necessidades.
Oprimidos...?
De facto, quando hoje em dia leio a história que se escreve, que Fernandos Rosas e outros escrevem, fico com a impressão que não vivi no mesmo Portugal sobre o qual se escreve.
No Portugal em que vivi não havia oprimidos coisíssima nenhuma, as pessoas viviam em segurança, não havia desemprego, contava-se em cafés e sítios públicos anedotas sobre Salazar e Caetano, as revistas eram uma constante paródia ao regime e havia muita gente que era conhecida por ser da "oposição" e que vivia as suas vidas normalíssimamente sem quaisquer problemas.
Na altura em que eu cresci toda a gente (TODA A GENTE, não vamos começar com mentiras) ia à escola e a qualidade do ensino não tinha nada que ver com a de hoje em dia. Hoje os pais matam-se para poderem pôr os 1,2 filhos em colégios privados porque as escolas públicas são uma miséria.
Hoje, sim, as pessoas andam oprimidas: pelo desemprego, insegurança, mau ensino público, má saúde pública.
O Português comum vive mais oprimido em 2010 do que vivia em 1973.
Enviar um comentário