sexta-feira, fevereiro 07, 2014

Para quem ainda não tenha percebido o que está em causa na luta dos estivadores

O negócio do Governo e da Mota-Engil é evidentemente um mau negócio e está longe de prejudicar apenas os estivadores, ainda que estes sejam os principais lesados na matéria. O negócio do Governo e da Mota-Engil é também mau para quem exporta, para quem importa, para quem consome e para quem, no negócio da estiva – mesmo no dócil papel de intermediário – não troque gestão danosa por um qualquer quinhão em negócios sicilianos. É um mau negócio para todos e é sobretudo um mau negócio para a economia do país, entidade que os spin doctors do establishment repetem ad nauseam para virar a opinião pública contra a luta os estivadores.
Depois de despedirem perto de 50 estivadores, os patrões e o governo já deixaram claro que mais não querem do que a velha receita de trocar trabalhadores especializados por precários. Se o modelo é muito questionável em quase todos os sectores do trabalho, é peregrina a ideia de a aplicar a profissões cujas particularidades do serviço leva anos de treino para que um profissional esteja capaz de realizar o seu trabalho. Será que algum administrador da Mota-Engil, o secretário de Estado dos Transportes Sérgio Monteiro ou o pirata do Bobone se meteriam debaixo de um contentor movimentado por quem não tem experiência? E será que os exportadores querem meter as suas cargas em contentores que andam aos trambolhões quando importam ou exportam os seus produtos? E os consumidores, o que acharão sobre o assunto na hora de comprar quase tudo?
Dos problemas de eficácia às questões de segurança, contratar trabalhadores precários, sem a devida formação, para os meter a fazer o trabalho que deve ser feito por trabalhadores especializados, entretanto despedidos de forma fraudulenta, é responsável por quebras substancialmente mais acentuadas do que aquela que os patrões pretendem imputar à luta dos estivadores. Para o concluir não é preciso nenhum curso em fluxos mercantis, bacharelato em gestão portuária, mestrado em empreendedorismo técnico ou doutoramento em mercado livre. Bastará olhar, por exemplo, para a produtividade de um trabalhador especializado e para outro que nunca manobrou uma grua. Quantos barcos despacham um e outro? Em quanto tempo? Com que custos, materiais e humanos, associados? Não será melhor começarem a fazer as contas antes de sacudir a areia da sua irresponsabilidade?
Mas há mais a equacionar. Acrescentem a isso o mau uso do material e o custo associado, os estragos nas cargas e nos contentores ou a manutenção das gruas de elevada complexidade tecnológica. Acrescentem ainda, ora pois, o custo da luta dos trabalhadores que em Portugal – sobretudo político que em euros é uma ninharia ao pé dos milhões que andam a esbanjar com a sua estratégia – e ainda o dos portos da Europa que como já se viu tudo farão para derrotar tamanho disparate. Ainda acham que valerá a pena?
Se governo e patrões estivessem a ser sérios, as soluções para todos os problemas seriam fáceis e as respostas para todas as perguntas não suscitariam qualquer polémica. Se ao invés da energia e dos recursos que colocam numa guerra sem quartel contra aqueles que são o chão dos portos, os braços dos navios, as pernas da economia e o pulmão da recuperação económica – tudo metáforas que nos habituamos a ouvir na hora de conspirarem contra a sua liberdade sindical – melhor fariam se de imediato passassem à reintegração dos 50 despedidos e, se assim fosse necessário, à contratação de mais trabalhadores, mas como manda o bom senso, a gestão e a humanidade, com direitos laborais e a devida formação. Isso sim seria coerente com o interesse nacional, a sua estratégia antropofágica, não.
Para se perceber ainda melhor a loucura em curso nos portos, imaginemos então o que governo andará a preparar para o Futuro. Para quando a troca de médicos por alfarrabistas e de advogados por maquinistas? Quanto tempo mais teremos que esperar pela fantasiosa substituição de engenheiros por bombeiros, de açougueiros por logistas, de agricultores por polícias, cozinheiros por modistas? E carpinteiros por médicos, pescadores por dentistas ou professores por pelintras, também não? Não terá fim o delírio? Quanta flexibilidade teremos ainda que gramar até que chegue a hora de meter o povo no lugar dos banqueiros e os trabalhadores no hemiciclo?
http://obeissancemorte.wordpress.com/2014/02/06/flexiseguranca-uma-proposta-a-proposito-do-despedimento-de-estivadores-profissionais-e-a-contratacao-fraudulenta-de-precarios/
 

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Renato Teixeira

1 comentário:

Anónimo disse...

Tragédia é ver Partir gente de bom coração e ficam os lobos com pele de cordeiro e seus amigos que desgraçam a vida de muita gente como o caso do despedimento coletivo do Casino Estoril ilegal o grande negocio da china.