MANIFESTO
POR
UM TRABALHO DIGNO PARA TODOS
1. Uma das mais reclamadas e relevantes funções do direito do trabalho tem sido, desde a sua origem, a da proteção do contraente débil, procurando compensar ou reduzir o profundo desequilíbrio contratual entre os dois protagonistas da relação de trabalho, função que foi cumprindo, com maior ou menor eficácia, com recurso, para parafrasear uma ideia também defendida pelo Tribunal Constitucional, ao mecanismo da limitação da autonomia da vontade do mais forte para garantir alguma autonomia da vontade do mais frágil. Na sua ainda curta história, este ramo do direito tem experimentado vários sobressaltos, com fluxos e refluxos assentes em fatores de vária ordem de acordo com os diferentes contextos que se sucedem de época para época.
2. Ainda que com sinais
anteriores claros, pode dizer-se que o Código de 2003 representou um
dos mais significativos refluxos da história recente do direito do
trabalho português, refluxo impressivamente simbolizado pela
subversão de um dos princípios que lhe serviram de alicerce e
melhor o caracterizavam – o designado princípio do tratamento mais
favorável na relação entre as suas fontes estaduais (lei,
decreto-lei, etc.) e as suas fontes próprias (a convenção coletiva
de trabalho).
3. Esquecendo, em boa medida,
a sua tradicional função de defesa de bens básicos da pessoa do
trabalhador, o direito do trabalho tem sido transformado, sobretudo
desde então, num verdadeiro instrumento de gestão das empresas, com
legisladores sempre disponíveis para aceitarem, ou mesmo aplaudirem,
mais uma concessão, numa escalada aparentemente sem fim à vista.
Ainda o processo de revisão em curso não conheceu o seu termo e já
se ouvem clamores a reivindicar mais reformas. Além das vozes de
alguns escandalosamente bem instalados que, sem qualquer pudor,
reclamam o emagrecimento dos magros salários dos outros, apressam-se
a troika e o governo a proclamar, na sua recente declaração
conjunta da 4.ª avaliação, que «são urgentemente necessárias
mais medidas para melhorar o funcionamento do mercado laboral».
4. O tempo de trabalho e a
sua organização, a desregulamentação de importantes matérias
desta relação social básica com o consequente abandono dos mais
frágeis à sua sorte, os despedimentos, a negociação coletiva,
etc., têm sido os alvos prioritários deste autêntico assalto a
muitas das medidas que emprestavam ao trabalho um mínimo de
dignidade.
5.
Se a tudo isto se juntar a redução do papel da administração do
trabalho de fiscalização do cumprimento das leis, o sentido das
sucessivas reformas é, no entender dos abaixo-assinados, o de um
programa implacável de empobrecimento material e espiritual da
esmagadora maioria dos trabalhadores e, consequentemente, de
degradação da cidadania e da nossa vida democrática, à custa da
adulteração do direito do trabalho.
6.
Não sendo este o lugar próprio para discursos de índole técnica,
nem mesmo de ordem jurídico-constitucional, ousam, ainda assim, os
signatários lembrar que o referido programa em curso e, em
particular, várias das suas concretas medidas não cumprem os
desígnios constitucionais, infringindo vários dos seus princípios
e normas, designadamente, entre outros, o princípio da dignidade da
pessoa humana, o princípio do direito ao trabalho e à estabilidade
no trabalho, o princípio da conciliação da vida profissional com a
vida familiar, o princípio da liberdade sindical, o princípio da
autonomia coletiva.
7. Preocupados com o
rumo que tem vindo a ser dado ao direito do trabalho e, sobretudo,
com a crescente desconsideração dos trabalhadores;
Indignados com esse autêntico
escândalo social e humano da elevadíssima taxa de desemprego, com a
crescente precariedade e com a política de austeridade que recusa a
quem trabalha os rendimentos salariais mínimos indispensáveis a
condições de uma vida digna;
Convictos, por outro lado, de
que o melhor caminho para a solução dos graves problemas do País é
o de uma maior justiça social e o do fortalecimento da democracia e
das instituições democráticas;
Os
abaixo-assinados, todos profissionalmente interessados e ligados ao
mundo do trabalho, entendem ser seu dever manifestar publicamente a
sua profunda inquietação e firme protesto contra a sistemática
adulteração de que tem vindo a ser objeto o direito do trabalho
profundamente agravada com a recente revisão em curso do Código do
Trabalho entendem ser seu dever:
- manifestar publicamente a sua inquietação e firme protesto contra a sistemática e injustificada adulteração do direito do trabalho;
- convocar todos os que se encontram profissionalmente interessados e ligados ao mundo do trabalho a juntar-se a este protesto e a manifestar a sua inquietação;
- interpelar as entidades públicas que juraram cumprir e fazer cumprir a Constituição sobre as medidas adequadas a pôr termo a este processo de subversão em curso;
- promover iniciativas de ampliação deste protesto, inclusivamente no âmbito da União Europeia
António
Avelãs Nunes – professor jubilado da Universidade de Coimbra
António
Casimiro Ferreira – professor da Faculdade de Economia da
Universidade de Coimbra
António
Cluny – jurista, presidente da MEDEL
António
Hespanha – professor
da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa
Augusto
Praça – advogado, membro da CECO da CGTP-IN
Catarina
Carvalho – professora da Faculdade de Direito da Universidade
Católica do Porto
Elísio
Estanque – professor da Faculdade de Economia da Universidade de
Coimbra
Fausto
Leite – advogado, especialista em direito do trabalho
Francisco
Liberal Fernandes – professor da Faculdade de Direito da
Universidade do Porto
D.
Januário Torgal Ferreira – Bispo das forças armadas
João
Leal Amado – professor da Universidade de Coimbra
João
Reis – professor da Universidade de Coimbra
Joaquim
Dionísio – advogado, responsável do Gabinete de Estudos da
CGTP-IN
Jorge
Leite – professor jubilado da Universidade de Coimbra
José
Castro Caldas – economista, investigador do CES
José
João Abrantes – professor da Faculdade de Direito da Universidade
Nova
José
Reis – professor da Faculdade de Economia da Universidade de
Coimbra
Júlio
Gomes – professor da Faculdade de Direito da Universidade Católica
do Porto
Manuel
Carvalho da Silva – professor da Universidade Lusófona e
Coordenador do CES Lisboa
Martins
Ascensão – advogado jus laborista
Pedro
Bacelar de Vasconcelos – professor da Faculdade de Direito da
Universidade do Minho
Vítor
Ferreira – advogado jus laborista
Lisboa, 14 de junho de 2012
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