Ban Ki-moon contemporiza com a ilegal ocupação do Sahara Ocidental por Marrocos, com as violações dos direitos humanos no território e com o cerco a que a potência ocupante tem imposto à livre imprensa e à livre observação internacional
O SG da ONU, Ban Ki-moon, com o embaixador Chistopher Ross, seu Enviado Pessoal para o Sahara Ocidental
No seu recente relatório sobre o Sahara Ocidental, o Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, recomenda que a Missão das Nações Unidas encarregada da Organização do Referendo no Sahara Ocidental (MINURSO) seja prorrogada por mais um ano. Nada diz, porém, em substância e de concretizável, sobre a protecção dos recursos naturais que estão a ser espoliados pela potência ocupante, nem dos Saharauis que estão a ser brutalizados, presos e torturados, e a quem é vedado o exercício dos mais elementares direitos de cidadania: liberdade de expressão, de reunião, de organização, de manifestação, de deslocação, de livre acesso à informação.
Ao longo dos últimos 6 meses, enquanto Marrocos e a Frente Polisario estavam oficialmente empenhados num diálogo político sob os auspícios das Nações Unidas, assistiu-se a uma grave deterioração da situação em matéria de Direitos Humanos na parte do Sahara Ocidental ocupada por Marrocos. O discurso do Rei de Marrocos, no dia 6 de Novembro de 2009, em que rotulou de “traidores” todos aqueles que trabalham para proteger o direito legítimo do povo Saharaui à autodeterminação, desencadeou acções punitivas muito graves contra todos os activistas Saharauis e defensores dos Direitos Humanos.
O Secretário-Geral da ONU observa no seu relatório que era louvável continuar a trabalhar no programa de intercâmbio de visitas entre famílias de um e outro lado (§75.º), mas foi amplamente documentado que os Saharauis que tomaram iniciativas nesse sentido depararam com uma reacção extremamente hostil ao regressarem a Marrocos. É particularmente preocupante o caso dos 6 prisioneiros civis Sahrauis na prisão de Salé, que estão em risco de enfrentar um tribunal militar em que são acusados de traição por terem simplesmente visitado os campos de refugiados em Tindouf. Nestas circunstâncias, é inconcebível que a MINURSO continue a sua missão de paz das Nações Unidas, apenas com carácter temporário, faltando-lhe um mandato para supervisionar os Direitos Humanos.
A MINURSO foi criada em 1991 porque o referendo era a condição mutuamente aceite pelas partes, aquando do cessar-fogo de uma guerra que durava desde 1975 entre Saharauis e Marroquinos. Nesse tempo, Marrocos não falava sequer em autonomia, e mesmo que então o invocasse, ou que agora o venha defender como solução, tal não pode ser encarado senão como uma — e apenas uma —, das alternativas que deverão ser colocadas ao universo eleitoral dos Saharuis recenseados pela ONU, nas mãos dos quais reside a Soberania daquela que é a única parcela do Continente Africano por descolonizar — segundo afirma a própria ONU.
Ki-moon declara que «a dimensão humana do conflito, nomeadamente a sorte dos refugiados do Sahara Ocidental, é um tema de inquietação crescente». Mas — qual Pilatos — tece com a tranquilidade da mais gélida argumentação sobre aquele que é um tema de sua preocupação, os direitos humanos: «Cada uma das partes acusa a outra de violações cometidas contra os Saharauis no território e nos acampamentos de refugiados e ambas negam as acusações que lhes são formuladas», dixit.
É no mínimo estranho que a ONU e a sua missão de paz na região não tenham capacidade para indagar e reportar quem é vítima dessas violações dos Direitos Humanos e quem as comete. Sejam do lado da Frente Polisario, sejam da potência ocupante do território: o Reino de Marrocos. Mais estranho ainda quando se sabe que a MINURSO é, actualmente, a única missão de paz das Nações Unidas — das 22 existentes em todo o Mundo — que não possui mandato para vigiar e zelar pelo respeito dos Direitos do Homem.
É indispensável alargar o mandato da MINURSO à observação dos Direitos do Homem. É indispensável que a ONU e a sua missão criem ou imponham as condições para que, tal como em Timor-Leste, o objectivo para que foi criada se cumpra; e o Povo do Território, com direito a participar no acto eleitoral, possa finalmente escolher através de um Referendo de Autodeterminação, livre, justo e transparente, aquele que quer como destino: a integração ou a autonomia em Marrocos ou a Independência.
Quem tem medo que o povo saharaui se possa pronunciar livremente?
Vale a pena perguntar: para que serve, afinal, a Comunidade Internacional continuar a manter uma missão de paz, para qual parece ter esquecido o propósito para que a criou: a Organização de um Referendo no Sahara Ocidental.
Parece justo e lógico concluir aquilo que já alguns mais lúcidos observadores do conflito afirmaram: aqueles que defendem uma solução aceite pelas partes estão a incentivar a continuação do ’status quo’ e, portanto, estão agindo como cúmplices da potência ocupante: Marrocos. Se se ficar à espera de um novo "acordo entre as partes"… a situação vai continuar no estado actual. E a situação actual mais não é que a ocupação por parte de Marrocos da maior (e mais rica) parte do Sahara Ocidental.
Os acontecimentos recentes levaram a uma deterioração ainda maior da pouca ou nenhuma confiança que resta no processo político. A Associação de Amizade Portugal – Sahara Ocidental está convencida de que o estabelecimento, por parte das Nações Unidas, de uma capacidade de supervisão dos Direitos Humanos e de uma Missão de Observação que controle a exploração dos recursos naturais do território poderiam levar a percorrer um longo caminho no sentido de restabelecer a confiança entre as partes, facilitando o seu empenhamento renovado nas negociações.
Ban Ki-moon apela às partes a "fazer prova de imaginação e de criatividade" para que progressos possam ser realizados nas negociações. Pensamos que esse propósito deve começar pela ONU, não alienando aquilo que são as suas responsabilidades perante um povo cuja vontade é preciso respeitar, seja qual ela for.
Nesse sentido, apelamos ao Conselho de Segurança das Nações Unidas que actue de forma honrar os seus compromissos para com o povo Saharaui e para com o legado moral e histórico da Carta da ONU, quando elaborar a resolução deste mês para prorrogação do mandato da missão da MINURSO.
Lisboa, 13 de Abril de 2010
Associação de Amizade Portugal – Sahara Ocidental
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