Nos últimos dias tem-se assistido a uma verdadeira operação mediática procurando criar o mito de infalibilidade do dr. Victor Constâncio, mesmo de homem providencial, para levar a opinião pública a aceitar mais facilmente as conclusões do relatório encomendado a ele pelo governo .
Nessa operação os media têm sempre omitido que a parte mais importante do relatório é constituída por previsões, pois é com base em previsões que é construído o défice de 6,8%. E é a partir desse défice que o governo pretende, utilizando-o como justificativo, tomar “medidas duras” contra as classes médias e contra os trabalhadores.
A experiência recente tem mostrado que o dr. Victor Constâncio, como qualquer humano, erra frequentemente. Um caso real que prova isso. De acordo com uma citação que se encontra na pág. 19 do próprio relatório, o Banco de Portugal, presidido por ele, previu, em Junho de 2004, um crescimento da Economia Portuguesa em 2005 de 1,75% ; e, em Dezembro de 2004, um crescimento de 1,6%. Se compararmos essas previsões da entidade presidida pelo dr. Victor Constâncio com a que consta do relatório que apresentou – um crescimento de apenas 1% em 2005 – concluímos que o erro de previsão se situa entre -42,8% e -37,5%. Um desvio grande e apenas em poucos meses. É necessário encarar as previsões com as limitações que caracterizam todo produto humano nomeadamente no âmbito da macroeconomia, portanto falíveis, e não com o ar de certezas absolutas com que os media e o próprio dr. Victor Constâncio tem procurado fazer crer.
A análise atenta de todo o relatório apresentado por Victor Constâncio leva à conclusão que dados importantes foram omitidos e mesmo relativamente a alguns constantes do relatório não se tiraram as conclusões que deles inevitavelmente resultam. Por ex., faz-se a transcrição de muitos dados já conhecidos divulgados pelo Eurostat sobre a despesa pública para assim se mostrar que o crescimento em Portugal é excessivo, mas esquece-se de comparar a despesa actual, medida em percentagem do PIB, com a média da União Europeia para se saber se já ultrapassou esse valor e omitem-se dados importantes sobre as receitas fiscais nos diferentes países da União Europeia e sobre a composição dessas receitas. Assim, apesar do crescimento da despesa pública em Portugal ela continua a ser inferior à média comunitária (Portugal: 47,6% do PIB; UE15: 48,3% do PIB) e é bastante inferior à de muitos dos países mais desenvolvidos da União Europeia, o que prova que despesa pública elevada não é incompatível com elevados padrões de desenvolvimento como se pretende fazer crer em Portugal, o que é necessário é aumentar a sua eficiência e eficácia. Por outro lado, se a carga fiscal em Portugal (38,1% ) fosse igual à média comunitária (41,6% do PIB) o Estado Português arrecadaria mais 4.892 milhões de euros, o que faria baixar o défice para cerca 3%.
Perante a necessidade de aumentar a receita fiscal o governo tinha dois caminhos. O primeiro consistia em aumentar a base tributável, ou seja, os rendimentos sujeitos a imposto limitando, por ex., o número de anos em que as empresas podem deduzir nos lucros os prejuízos de anos anteriores e reduzindo os benefícios fiscais concedidos às empresas (no período 2000-2004, somaram 1.003 milhões de euros só a nível de IRC)) e muitos outros privilégios que continuam a existir. O segundo caminho era aumentar mais os impostos indirectos, que são impostos injustos pois, seja-se rico ou pobre, quando se adquire o mesmo produto, paga-se o mesmo valor em euros de imposto. Apesar de serem injustos, o governo preferiu seguir fundamentalmente o segundo caminho, ou seja, aumentar os impostos indirectos.
Foram anunciadas medidas concretas que se traduzem pelo aumento imediato dos impostos indirectos já a partir do próximo mês de Julho., determinando o aumento da injustiça fiscal existente e o aumento generalizado de preços. Mesmo a medida apresentada com pompa que visaria distribuir sacrifícios – criação de um novo escalão de rendimento no IRS com uma taxa marginal de 42% a aplicar à parte do rendimento que ultrapasse os 60.000 euros por ano – é facilmente iludida por quem tem rendimentos elevados não resultantes de trabalho dependente, através da criação de uma empresa unipessoal que pagará apenas 25% de IRC, e se levantar os lucros só terá de pagar IRS sobre 50% do rendimento levantado como estabelece o nº1 do artº 40-A do Código do IRS. A possibilidade que as empresas continuam a ter de deduzir nos lucros de seis anos (antes era menos) os prejuízos dos anos anteriores (artº 47 do Código do IRC) fará perder ao Estado, só relativamente aos prejuízos acumulados pelas empresas no período compreendido entre 2001 e 2003 (38.294 milhões de euros), receitas fiscais que poderão atingir 9.574 milhões de euros (1.919 milhões de contos).
O relatório e as medidas anunciadas pelo governo ao concentrarem-se exclusivamente no défice orçamental esquecendo que o problema mais grave que o País enfrenta não é esse mas sim o problema do desemprego, a má distribuição da riqueza e a desaceleração da actividade económica, ou seja a obsessão do défice que continua a dominar tudo, apesar das declarações em contrário, só poderá levar a um maior agravamento da situação económica e social do País.
Eugénio Rosa - Economista
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