Foi o medo do papa polaco anticomunista de que a teologia se contaminasse de marxismo que o fez reagir contra ela. O Vaticano começou a acusar de marxistas os teólogos que elaboraram a nova teologia da libertação, lembrando-lhes que a fé católica pede que se libertem as pessoas "do pecado". Com a diferença de que, para a teologia da libertação, o verdadeiro pecado é a injustiça, que gera pobreza e dor. O curioso é que Roma sempre defendeu -- e o papa Wojtyla repetiu isso em todas as suas viagens ao Terceiro Mundo -- a preferência da Igreja pelos pobres. Ele mesmo se definiu durante uma viagem como "teólogo da libertação". Mas sempre afirmou que é preciso libertar os cristãos, antes de mais nada, de seus pecados, para que voltem à fé praticada. Tudo o mais -- a luta contra as estruturas injustas, contra os tiranos, defendida por Paulo VI em casos de "injustiça extrema"; a organização dos pobres como sujeitos da história para defender seus direitos -- foi considerado por João Paulo II e por Ratzinger uma concessão ao marxismo e um desvio teológico.
O golpe mortal à teologia da libertação foi dado por João Paulo II ao assinar o documento elaborado pelo cardeal Ratzinger em que se condenava radical essa teologia. Foi em 1984, e o documento se intitulava "Instrução sobre alguns aspectos da teologia da libertação".
A partir desse momento começou a caça aos teólogos que elaboravam e defendiam essa teologia. O primeiro a desfilar diante do ex-Santo Ofício foi o brasileiro Leonardo Boff, um franciscano adorado pelos mais pobres da América Latina, que foi interrogado por Ratzinger e condenado várias vezes ao silêncio, até que decidiu se secularizar.
Em vão os cardeais brasileiros que se solidarizavam com Boff tentaram que o papa recuasse. O único que conseguiram foi que Wojtyla lhes dissesse que o "seu" cardeal "era mais severo que ele". A perseguição estendeu-se a todos os países. Superiores de congregações e ordens religiosas, bispos e cardeais que não comungavam com essa teologia aproveitaram a dureza do Vaticano para deixar no ostracismo os teólogos mais vivos e mais presentes na luta em favor dos pobres, que eram acusados de solidariedade com as guerrilhas da América Latina.
A queda do Muro de Berlim e do comunismo aguçou ainda mais a luta contra a teologia da libertação, que chegou a ser considerada morta. É verdade? Boff disse há pouco tempo que ela está morta só para o Vaticano. Mas que continua tão viva ou mais do que antes, e está florescendo com novos matizes. "Enquanto existir um só pobre e excluído, continuará viva", disse Leonardo Boff. A teologia da libertação está encorporando novas formas, que incluem todos os excluídos: desde os índios até os negros, os gays, os doentes de Sida, os imigrantes e refugiados, etc. É a teologia que começa a se ocupar primeiro do ser humano, com suas necessidades terrenas, e só depois (ou simultaneamente) de sua alma.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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