Como por vezes acontece, o povo tem razão. O desprestígio da classe política portuguesa é merecido, como ficou demonstrado à saciedade pelos episódios em volta das promessas eleitorais e o deficit público. Uns e outros, sabendo da situação, prometeram o que não tinham intenção de cumprir e livraram-se das promessas eleitorais uma vez eleitos.
É certo que o povo foi formado a desconfiar dos seus governantes. E concerteza não foi por acaso que se cunhou o verbo “governar-se”. Na senda da política de saque pentasecular, os nossos representantes mantêm-se impotentes face ao poder de quem se governa. Impotentes mas reverentes: jamais Cavaco Silva explicou ao povo o seu tabu, nem Guterres o seu pântano, Durão Barroso os acordos com o Presidente, nem este nos explicou porque é que o sistema judicial se mantém opaco e disfuncional. Os dinossauros acumulam poderes, ao mesmo tempo que a corrupção abafa qualquer iniciativa sem tutela, e ainda se queixam da falta de “espírito” empresarial! Os governantes também estão formados a desconfiar do povo, que sabem não lhes ter respeito, a não ser quando lhe fazem lembrar dos tempos sem democracia, sem votos.
A volatilidade deste relacionamento entre governantes e governados, expressa positivamente na fragilidade e perversão política dos movimentos associativos em Portugal (por contraste com todos os outros países da União), reflecte-se na instabilidade política, para cujo combate os votantes têm contribuído mais do que os eleitos. Manifestamente, a doença chegou ao tutano, melhor dito ao “tutu”. Como todos sabem, casa em que não há pão … vão ser precisos princípios democráticos de gestão das crises materiais e emocionais que estão a chegar. O governo já anunciou medidas para conter o deficit público. Os economistas instam-no a proceder a reformas estruturais, que têm sido evitadas faz bué anos. Mas os portugueses descrêem do que mais parece uma reposição de um mau filme português.
É hora de chamar à responsabilidade a classe política que nos trouxe a este beco. É que também há quem nunca tenha entrado para a política por causa do mau ambiente, da subserviência, dos monstros, dos pântanos, das tangas, de que é fundamentalmente feita a política portuguesa. Para ser completamente sincero, muitos dos assuntos em que acabei por mexer por via da actividade cívica muito limitada que tenho desenvolvido, fazem-me ter nojo crescente de algumas pessoas mas principalmente das práticas de arregimentação partidária em vigor neste país.
Será por razões de fanatismo partidário ou ideológico, por sectarismo, por compadrio militante, para camuflar as misérias do financiamento partidário, para explorar a economia paralela, por sentido de competição? Não sei, mas que é moda do jet set em Portugal ser-se reverente com os poderosos, amesquinhador com os outros e compassivo com os confrades, isso é.
Caros concidadãos,
Aprender a aprender não custa tanto dinheiro como tirar um certificado escolar. Mas ajuda muito a produzir as dinâmicas necessárias à recriação de Portugal como país estruturalmente europeu, que se sabe hoje, sem dúvidas, não saber ser, apesar de termos “estado na moda” da demagogia por diversas ocasiões. Aprender a democracia custa apenas a subscrição necessária para fazer um sócio de uma qualquer associação cívica e, mais difícil, a assunção de responsabilidades e protagonismos que se vieram a mostrar necessários, sem receios e com liberdade. É preciso reformar, sem pensões, esta classe política que tem monopolizado o poder em Portugal. Mas para isso é preciso que haja quem esteja disposto a dar o corpo ao manifesto, e uma democracia mais efectiva e não tão limitada como a que temos vivido.
António Pedro Dores
Sociólogo
2005-05-25
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