quarta-feira, maio 11, 2005

Ainda do caso Portucale

Notícia do Público de 9 de Março de 2005 (obtido via Vistas na Paisagem)

Três ministros do Governo que se despede na próxima semana deram luz verde, a quatro dias das eleições de 20 de Fevereiro, ao abate de mais de dois mil sobreiros para viabilizar um polémico empreendimento turístico em Benavente. Num diploma publicado ontem em Diário da República, os ministros da Agricultura, Costa Neves, do Ambiente, Nobre Guedes, e do Turismo, Telmo Correia, declaram a "imprescindível utilidade pública" de um projecto privado da empresa Portucale-Sociedade de Desenvolvimento Agro-Turístico - ligada ao grupo Espírito Santo -, que envolve moradias, hotéis, campo de golfe, centro hípico, uma barragem e um campo de tiro.

É a primeira vez que é directamente reconhecida a utilidade pública de um empreendimento turístico privado, com o objectivo de permitir o corte de sobreiros. Esta espécie de árvore é protegida por lei e só em situações excepcionais pode ser abatida - como a construção de estradas, barragens e outras infra-estruturas de evidente cunho público, desde que não haja alternativas de localização.

Na prática, o despacho ontem publicado vai permitir deitar abaixo 2605 sobreiros na herdade da Vargem Fresca, em Benavente, que já foi da Companhia das Lezírias - inicialmente accionista da Portucale, mas que depois deixou o projecto. Os terrenos ficaram então exclusivamente nas mãos de privados, num negócio investigado pela Inspecção-Geral de Finanças, que o considerou "desfavorável para os interesses e património da Companhia das Lezírias" [o metro quadrado foi vendido ao preço da uva mijona].

Há mais de dez anos que a Portucale esbarrava na lei de protecção dos sobreiros para avançar com o seu projecto. O pedido para este corte foi feito em 1997. Mas antes, em 1994, já a empresa solicitara autorização para abater quase 4000 sobreiros, para abrir espaço a dois campos de golfe. Inicialmente indeferido pelo então Instituto Florestal, o pedido foi depois aprovado pelo então ministro da Agricultura, Duarte Silva - actualmente presidente da Câmara da Figueira da Foz -, ao abrigo de uma alteração legislativa feita nos derradeiros dias do último Governo de Cavaco Silva, em 1995.
Poucos meses depois, com o Governo PS já empossado, esta autorização foi revogada pelo novo titular da pasta da Agricultura, Gomes da Silva, quando uma parte dos sobreiros já havia sido cortada.


De então para cá, a lei dos sobreiros foi alterada duas vezes. Na última revisão, efectuada em 2001, o Ministério da Agricultura chegou a sugerir que se permitisse o abate de árvores nos casos de empreendimentos de "relevante interesse para a economia nacional", que incidissem sobre um sector estratégico, que criassem empregos ou movimentassem investimentos "significativos". A proposta foi fortemente criticada por ambientalistas, que temiam uma brecha para o avanço de urbanizações em zonas de montado, especialmente na margem Sul do Tejo. O Governo acabou por recuar, mantendo apenas a figura dos "empreendimentos de imprescindível utilidade pública". (...)

O despacho ontem publicado argumenta que o projecto da Portucale "constitui um factor de desenvolvimento local e regional que pode permitir a criação de um considerável número de postos de trabalho numa zona em que a população, geralmente trabalhadora rural, enfrenta grandes dificuldades de obtenção de emprego".

Ricardo Garcia


Ou seja, primeiro, de uma forma desfavorável para os cofres do estado, a Herdade da Vargem Fresca passa para a mão de privados; segundo, estes privados, com amigos bem colocados no governo, tentam por duas vezes contornar a lei, para substituirem o montado por betão. Pela vontade do Espírito Santo (do grupo, não do outro), Lisboa Metrópole iria até Abrantes, Alcácer do Sal, Leiria, talvez até às Berlengas ...

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