sábado, abril 09, 2005

Carta aberta ao Espírito Santo

Adital - Chegou a hora de, mais uma vez, você, uma das três pessoas da Santíssima Trindade (e não a terceira, pois não há hierarquia na comunhão de Amor), retornar a Roma. Imagino que não será uma tarefa fácil quebrar resistências cardinalícias e, entre tantos interesses geopolíticos, fazer predominar a sua vontade.

Dentrode pouco tempo os 117 eleitores do novo papa estarão encerrados no Vaticano. Duas vezes por dia irão até a Capela Sistina e, sob os frescos de Miguel Ângelo, cada um colocará seu voto numa patena. Nos primeiros trinta dias, será eleito quem obtiver 2/3 dos votos mais 1. Depois, bastará a maioria simples.

Suponho que o embate inicial será entre os cardeais italianos e os demais. Aqueles não se conformam de ter perdido o monopólio do papado, conquistado em 1522. Seguiram-se 44 papas italianos, até que Wojtyla apareceu como exceção à regra. Será que os eleitores darão uma nova chance aos demais continentes? É facto é que a maioria dos papas nasceu na Europa. Mas a África já foi contemplada com três. Não seria hora da América Latina, que concentra 52% dos católicos, merecer as sandálias do Pescador?

Tenho o meu preferido: dom Cláudio Hummes, cardeal de São Paulo, com quem trabalhei sete anos, como responsável pela Pastoral Operária do ABC. Posso entender por que ele figura entre os preferidos: tudo indica que os cardeais não elegerão alguém tão jovem quanto Wojtyla, coroado aos 58 anos, nem tão idoso que haja o risco de um novo conclave em breve.

O próximo papa sairá do grupo situado entre 65 e 73 anos, poliglota, com bom trânsito na Cúria Romana e, sobretudo, ortodoxo em matéria doutrinal e de fácil trato com a media e o público. Dom Hummes enquadra-se em todos esses critérios. Em geral, os ortodoxos são carrancudos e os bons mediáticos são progressistas.

Tomara que seu sopro seja sificente para quebrar, no novo sucessor de Pedro, resistências quanto à moral sexual, ao celibato facultativo, ao papel da mulher na Igreja, as células-estaminais, à bioética, temas congelados no debate interno da Igreja. Todos nós ansiamos por um papa que sobreponha o Evangelho ao direito canónico, a alegria à dor, o diálogo inter-religioso à apologética, o pão à cruz, o amor à lei, a espiritualidade aos preceitos.

O que poucos sabem é que os candidatos não são apenas os 117 eleitores. São todos os católicos de sexo masculino. Basta ser homem e ter sido batizado na Igreja Católica. Como Gregório Magno, prefeito de Roma, eleito em 590.

Venha, divino Espírito Santo, e renove a face de sua Igreja, para que ela seja de facto, como quis Jesus, luz no mundo e fermento na massa.

Frei Betto, Dominicano e escritor. Artigo completo na Adital.

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