segunda-feira, janeiro 17, 2005

INTERPELAÇÃO CÍVICA

INTERPELAÇÃO CÍVICA AO NOVO PODER POLÍTICO
de Organizações dos Movimentos Cívicos

É indispensável o reconhecimento oficial – por parte do Governo, da Administração Pública, da Assembleia da República e dos Órgãos da União Europeia – dos Movimentos Cívicos, que mobilizam os cidadãos, contribuindo contínua e solidariamente para a resolução dos muitos e diversos problemas das pessoas e dos territórios.
Este reconhecimento deve ser explícito, sustentado e com a projecção adequada, tendo em conta a cada vez maior capacidade e representatividade destes Movimentos no país, que desafiam o conceito tradicional, hoje claramente inadequado, de Parceiro Social, fundamentalmente reduzido à dicotomia em torno de organizações patronais e sindicais.
Nesta Interpelação Cívica, que dirigimos aos Partidos e ao novo poder político, apresentamos um conjunto de propostas bem concretas, organizadas em cinco áreas que reputamos da máxima importância:
(1) Relacionamento e cooperação do Estado com os Movimentos Cívicos;
(2) Instância Pública de Recursos ao serviço dos Movimentos Cívicos;
(3) Financiamento dos serviços de interesse público prestados por Organizações Cívicas e Solidárias (OCS);
(4) Flexibilidade e gestão partilhadas dos programas de apoio ao desenvolvimento socio-económico local;
(5) Condições para uma verdadeira governança ou nova cidadania.

QUADRO DE RELACIONAMENTO E COOPERAÇAO DO ESTADO COM OS MOVIMENTOS CÍVICOS

No que ao Governo respeita, o processo de legitimação e cooperação oficial deve assentar na operacionalização de um conjunto de medidas práticas e com carácter de urgência, para as quais deixamos os seguintes contributos:
- Que o Primeiro-Ministro, directamente ou por delegação, se empenhe no relacionamento regular com os Movimentos Cívicos, enquanto expressão da sociedade civil organizada, que prosseguem o interesse geral das pessoas, comunidades e territórios;
- Criação de uma Comissão Mista de Missão – aceite por uma maioria significativa das organizações dos Movimentos Cívicos – que elabore no prazo de seis meses um Projecto de Lei-Quadro sobre os Movimentos Cívicos e as suas relações com os Poderes Públicos. Projecto esse baseado numa Carta de Princípios de Relacionamento que clarifique, nomeadamente, a reciprocidade de responsabilidades, o enquadramento fiscal e o financiamento regular, e que permita em posterior regulamentação o tratamento das realidades específicas dos movimentos cívicos;
- Reequacionamento da composição e modo de funcionamento do Conselho Económico e Social (CES), com vista a adaptar a representação da sociedade civil organizada à realidade social, económica, cultural e territorial, que emerge e/ou se desenvolve neste princípio de século;
- Criação de uma Sub-Comissão Permanente Especializada da Assembleia da República, com vista a definir e monitorizar, com base em auscultação alargada e periódica, o relacionamento entre as Organizações Cívicas e Solidárias e o Executivo (aos seus vários níveis: Governo, Administração Central, Administração Regional desconcentrada, Autarquias), nomeadamente através de: (a) um Fundo próprio a constituir; (b) uma (re)definição das atribuições e competências autárquicas neste domínio.

POR UMA INSTÂNCIA PÚBLICA DE RECURSOS AO SERVIÇO DOS MOVIMENTOS CÍVICOS DO TERCEIRO SECTOR

É urgente estabelecer um interlocutor público que estimule e apoie os movimentos cívicos. Entendemos que este deve ser Instância:
- Representativa dos diferentes órgãos da administração e do Terceiro Sector, entendida como entidade de estrutura ligeira que seja, sobretudo, interlocutora e facilitadora de parcerias e de procedimentos;
- de Recursos, porque as relações de cooperação ganham-se na operacionalização e monitorização de medidas e programas, as quais exigem sempre recursos técnicos e organizacionais de excelência.
A solução a definir deve congregar com a máxima economia de meios possível o conjunto de experiências acumuladas e de lideranças organizacionais, dando assim prioridade política a um sector e a uma atitude cívica e solidária, hoje essenciais em qualquer sociedade moderna, para a coesão social e cultural e para a revitalização e credibilização da vida política!
Defendemos pois, que o Governo (saído das eleições de 20 de Fevereiro de 2005) deverá decidir que “instância”, nova ou renovada, exercerá as tarefas antes descritas.

QUADRO GERAL DO FINANCIAMENTO DE SERVIÇOS DE UTILIDADE PÚBLICA PRESTADOS POR ORGANIZAÇÕES CÍVICAS E SOLIDÁRIAS

A diversidade de serviços prestados pelas Organizações Cívicas e Solidárias no apoio técnico e organizativo de proximidade, na promoção e estabelecimento de formas diversificadas e adequadas de cooperação e parcerias, na animação económica de espaços rurais e de espaços urbanos carenciados – designadamente num trabalho contínuo de mobilização, qualificação, inserção social e profissional de recursos humanos – coloca, como questão ética de boa administração e de elementar justiça, uma exigência retributiva relativamente ao Estado, sem a qual o Desenvolvimento Local, assente numa cidadania activa, viveria sempre num clima de incerteza e instabilidade. Precisamos, pois, urgentemente, de políticas e instrumentos adequados! Interpelamos assim para a necessidade imperiosa da:
- Criação de um Instrumento de Apoio ao Associativismo Cívico e Solidário que financie de forma estável, mediante contratos-programa plurianuais, as actividades imprescindíveis destas organizações, particularmente as de base territorial e que se enquadrem numa abordagem integrada;
- Estabelecimento ou reforço de Programas específicos e/ou medidas que se adequem, por um lado, aos territórios rurais pouco povoados e, por outro, às comunidades urbanas e sub-urbanas onde se verifique maior concentração de problemas, nomeadamente o desemprego, a desigualdade de oportunidades e a exclusão;
- Reavaliação dos mecanismos que conduzem a demoras injustificadas e a descontinuidades gritantes nos processos de financiamento, geradores de grandes perturbações do trabalho no terreno, comprometedoras da sustentabilidade das organizações cívicas solidárias e da prossecução dos seus fins.

FLEXIBILIDADE E GESTÃO PARTILHADA DOS PROGRAMAS DE APOIO AO DESENVOLVIMENTO SOCIO-ECONÓMICO LOCAL

Reafirmamos a necessidade do Estado privilegiar a concretização das diferentes formas de apoio ao desenvolvimento através de programas de base territorial, com geometria variável, de carácter integrado, assentes em parcerias locais efectivas e geridos de forma descentralizada. Assinalamos alguns progressos nos últimos anos, mas insistimos na necessidade inadiável da:
- Construção de parcerias sustentadas e operacionais entre Estado e Organizações Cívicas e Solidárias, dirigidas para a gestão partilhada de programas e acções, o que implica um reposicionamento das Entidades Estatais e a racionalização e concertação das parcerias, predominantemente territoriais;
- Realização de mais e melhor avaliação e apoios à auto-avaliação, assentes numa pluralidade de valores, interesses, metodologias e práticas, e de menos avaliação unilateral e meramente contabilística de programas e acções.

DAS PARCERIAS FUNCIONAIS À GOVERNANÇA, EXERCIDA
EM COOPERAÇÃO ENTRE OS PODERES POLÍTICOS E OS PODERES SOCIAIS


É condição para uma verdadeira governança, ou nova cidadania, que as Organizações Cívicas e Solidárias tomem parte, pelo menos numa das fases, no processo de tomada de decisão política, a nível central e/ou a nível local.
É de sublinhar, no entanto, que uma cooperação efectiva na área da governação, entre poderes políticos e poderes sociais, terá um impacto mais imediato e visível à escala local. Assim, a título de “ideia-exemplo”, sugere-se:
- Promover a elaboração, adopção e concretização de Acordos Territoriais para o Desenvolvimento Local numa lógica de estímulo à capacitação dos territórios e promoção do Desenvolvimento Regional, entre as Autarquias, a Administração Regional e a sociedade civil organizada, os quais, uma vez celebrados, gozarão de prioridade na afectação de fundos públicos para o Desenvolvimento Local;
- Criar e apoiar o funcionamento de Comissões da Sociedade Civil Organizada, uma em cada concelho urbano ou rural, compostas por representantes das Organizações Cívicas e Solidárias intervenientes no respectivo território, que poderão tomar iniciativas relativamente a futuras decisões do poder local e que deverão ser ouvidas antes das deliberações autárquicas com forte impacto local, como por exemplo planos e orçamentos anuais.
Para além destas estruturas e procedimentos, sugere-se a criação de Painéis de Cidadãos, criados numa base nacional e sectorial, através de um processo de nomeação descentralizado e muito alargado, que deverão ser regularmente auscultados sobre a qualidade dos serviços prestados pela Administração e outros serviços públicos e a quem serão pedidas propostas de permanente aperfeiçoamento.

Lisboa, 20 de Dezembro de 2004


NOTA
A subscrição deste documento em nada contradiz a realização ou participação na apresentação de outras propostas, complementares e específicas, aos Partidos e/ou Órgãos de Soberania.

Informamos que até dia 14 deste mês já 46 organizações (que se revêem como incluídas no universo das Cívicas e Solidárias) subscreveram o documento em referência. Outras declarações de intenção de o subscrever serão bem vindas.

Saudações animadas
Luís Moreno


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