Na sua acção para assegurarem a sua hegemonia a nível dos mercados - e das ideologias - as grandes empresas internacionais procuram apropriar-se de conceitos que, à partida, lhes são exteriores, senão mesmo nascidos da oposição à sua prática.
O Comércio Justo (CJ) é um desses conceitos e o mercado do café um caso prático desta apropriação.
Então o que é o Comércio Justo ?[1]
O conceito de CJ nasceu como reacção à crescente concentração, num número cada vez mais restrito de empresas[2], dos mecanismos de controlo do mercado, onde as transacções nas bolsas são o instrumento determinante para a fixação dos preços a pagar aos produtores.
As consequências desta lógica estão documentadas e são conhecidas: a degradação das condições de trabalho e de vida de milhões de seres humanos.
Foi a verificação desta realidade que serviu de ponto de partida à construção do compromisso, comercial e ético, entre produtores, importadores e retalhistas. E embora (ainda) marginal no conjunto do comércio internacional, o CJ tem provado que os ganhos económicos, o respeito pelos direitos humanos e pelo meio ambiente não são objectivos incompatíveis.
O CJ não se limita a pagar um preço mais elevado ao produtor (em Setembro de 1999, face à cotação do café arábica, o CJ pagava aos camponeses mais 40% do que o comércio convencional).
Do compromisso faz igualmente parte o respeito por um conjunto de regras económicas e sociais básicas. E a sua adopção por algumas das grandes empresas do comércio internacional representa já um contributo positivo do CJ.
O seu valor acrescentado reside na aposta a médio/longo prazo na estabilidade e na relação directa e de respeito mútuo que se mantém com as associações de produtores, no papel que dá à capacidade decisória das comunidades de produção e o incentivo que incute à sua auto-suficiência económica, social e política.
Assim, os produtores são motivados a aplicar uma parte dos seus lucros na satisfação das necessidades básicas das comunidades onde estão inseridos: na educação, na saúde, na formação profissional, etc.
São também estabelecidas relações comerciais de longo prazo, pagando-se parte do valor dos produtos antecipadamente, permitindo às comunidades planear o seu desenvolvimento.
E é promovida a participação de todos na tomada de decisões e no funcionamento democrático, a igualdade entre mulheres e homens e a protecção do meio ambiente.
O que podemos fazer ?
A primeira loja do CJ surgiu na Holanda em 1963 (em Portugal foi em 1999). Hoje existem na Europa mais de 3.000 lojas espalhadas por 18 países. Importam-se produtos de mais de 800 organizações em 45 países do Sul, beneficiando nestes países cerca de 5 milhões de pessoas. Em 1996 venderam-se na Europa cerca de 11.000 toneladas de café do CJ.
Mas é apenas o começo.
O esforço hoje é fazer entrar os produtos do CJ nos hábitos de consumo das populações dos países industrializados. Neste sentido, a Oxfam America lançou em Outubro passado uma campanha dirigida a todos os interessados pelo conceito para inquirirem, junto das lojas e supermercados de que são habituais clientes, da existência, ou não, de produtos do CJ. E propondo, caso não existam, que solicitem um encontro com o gestor comercial para o motivarem à disponibilização daqueles produtos nas prateleiras da loja.
Para apoiarem a iniciativa têm na sua página na Internet (www.oxfamamerica.org/coffee) um pequeno guião para auxiliar neste diálogo.
Esta proposta de acção não é, contudo, pacífica no seio do movimento promotor do CJ e tem sido objecto de um vivo debate no seu interior.
Voltaremos, em breve, a este assunto.
[1] Informação retirada de Comércio Justo Perguntas & Respostas, uma edição do CIDAC, Fevereiro 2001.
[2] De acordo com dados da UNCTAD publicados em 1992, 6 companhias controlavam cerca de 70% de todo o comércio internacional (citado por Morisset, Jacques, Unfair trade? Empirical evidence in world commodity markets over the past 25 years, Abril de 1997).
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