sexta-feira, novembro 19, 2004

O Bacalhau

O Natal está a chegar. A reunião familiar, os dias sem trabalho, os passeios para as compras, as prendas, a felicidade das crianças, o nascimento de Jesus e a fortificação da fé... Tudo isto torna esta época maravilhosa. Mas a grande felicidade, e nisto penso que grande maioria do povo concorda comigo, está na reunião à volta da mesa. É uma época em que a abundância e variedade é tanta que nem uma ponta de inveja nos surge no coração ao ver que o primo que não víamos há quase doze meses consegue comer mais que nós. Desde os queijos e os patés, o peru, as rabanadas e os fios de ovos. É tanta coisa... Mas, pelo menos para mim, o bacalhau é o rei. O bacalhau com todos. As batatas, as couves, o grão, o ovo, o alho, o azeite, o vinagre e, tão importante como o resto, o copo de vinho. Mas, sempre que comia o esperado bacalhau, sentia uma pontinha de infelicidade, que teimava em assumir como a nostalgia que muitas vezes caracteriza as épocas festivas.

Mas, hoje fui iluminado. Consegui compreender a razão de tal tristeza. Para vos conseguir explicar a razão da minha compreensão vocês teriam de saber que, apesar de não ser especialista, sempre fui deveras interessado as questões naturais, principalmente as biológicas. No meu sétimo ano de escolaridade, seguia com interesse as longas descrições das cadeias tróficas, para grande espanto, e algum gozo, dos meus colegas. E como as crianças são ruins! Mas tal era o meu interesse que, apesar de ser eu uma criança bastante influenciável, não lhes ligava e seguia com interesse a matéria leccionada. Desde os níveis mais baixos, as plantas, passando pelos herbívoros e acabando nos grandes predadores, tudo me interessava nestes ciclos maravilhosos. Mas acima de tudo fascinava-me um nível paralelo, regulador de toda a cadeia, talvez o mais importante de todo o sistema – o parasita. Como eu desejava ser parasita. Toda a minha vida tentei ser parasita. Ter aquele importante papel de eliminar os mais fracos, mas sobretudo sem violência, pois sou um pacifista. Os objectivos atingem-se sem ondas, sem espectáculo. Não gosto dos predadores. Ainda não consegui mas vou continuar a tentar.

E hoje compreendi aquilo que me faltava no bacalhau. Conseguia identificar toda a cadeia trófica naquele prato. As plantas, base da alimentação dos herbívoros. O ovo, da galinha, principalmente herbívora, normalmente omnívora. O bacalhau, grande predador. E... pois, faltavam os parasitas. Eles poderiam lá estar, mas eu não os via. E ficava triste. Aquele grande papel na natureza estava renegado à invisibilidade.

E hoje fui feliz. Hoje finalmente o bacalhau era com TODOS. Hoje eles estavam lá. Hoje estava lá o parasita. Mas não um parasita qualquer. Não a simples larva da varejeira que pós o seu ovinho quando o bacalhau estava a secar. Mas sim o verme. Aquele verme que o bacalhau ingeriu, provavelmente na forma de ovo dentro de uma qualquer presa com o elegante papel de portador. Aquele verme que nasceu do ovo quando se sentiu confortável dentro do seu hospedeiro. Aquele verme que regula toda uma população de bacalhaus que teima em se reproduzir descontroladamente.

Hoje fiz uma pausa na minha refeição. Hoje tirei uma fotografia. Quero partilhar a minha felicidade. Este é o Verme.



Pós Post (1): Até quando vou eu comer bacalhau. Quando é que a minha gula vai acabar para salvar os vermes dos bacalhaus da extinção. Os hospedeiros são cada vez menos...

Pós Post (2): Quando é que eu consigo escrever um texto deste tamanho para a porcaria da tese que não tem fim à vista...

José Vicente

7 comentários:

ASM disse...

Caro amigo
Ao pesquisar sobre o referido verme encontrei o seu curioso post. Estou aqui num dilema terrível pois o bacalhau tão carinhosamente escolhido para a noite de Natal tem alguns desses inestéticos bichinhos e não sei o que lhe faça. já retirei os que estavam visíveis ( num bacalhau de 50 euros encontrei 4) mas será que durante a ceia vai aparecer mais algum e estragar o apetite ao pessoal? Depois de saber que são inofensivos, uma vez que o bacalhau foi salgado e ainda será cosido, custa-me muito deitar fora o bacalhau. Se me poder ajudar a ultrapassar esta dificuldade ser-lhe-ei eternamente grata !
Uma dona de casa desesperada

Anónimo disse...

Caro , eu tive o desprazer de no ano passado , numa bacalhoada feita por mim , encontrar uma coisa enrolada na carne do bacalhau, e por curiosidade desfiei para ver o que era, achei muito esquisito e mostrei para minha nora que mais curiosa ainda desenrolou e viu que era um verme, fiquei muito chateada, pois a familia estava toda lá, mas o que fiz , foi retirar uns 4 e cozinhei bem antes de montar o prato. Agora quando faço bacalhau peço para 3 pessoas passarem revista, e ver se não ficou nada.
abs
Rosana

Anónimo disse...

Sou brasileiro e para ser sincero, destestava bacalhau até bem pouco antes de ir morar na Figueira da Fóz, onde morei com minha esposa por 1 ano. Período em que me fartei de comer este delicioso peixe, até o dia em que ao irmos a um jantar em um dos melhores restaurantes de Comibra, a convite de amigos, encontramos pela primeira vez um desses VERMES, que me fez desistir de comer esta iguaria por longo tempo. Acreditando que teria sido um evento isolado, anos mais tarde, ja de volta ao Brasil, resolvemos superar nosso temor e voltar a comer deste peixe. Que ironia, hoje foi a derradeira tentativa
após gastar muito dinheiro comprando Bacalhau com VERMES, e jogar tudo fora.
Me desculpem os que discordam da minha opinião, mas comer bacalhau com verme é no minimo nojento. Podem falar o que quizerem, mas eu não como nunca mais.

Fabi disse...

Esse post salvou minha ceia. Depois de ano comendo e fazendo pratos com bacalhau, eu descobri o tal do VERME. Jesus, o que faço agora? Foi pesquisando na net que descobri que esse parasita não faz mal, mas tem que catar minuciosamente, né meu povo. Eu no início fiquei com nojo, ao ler esse texto, entendi que não só de predadores existe o mundo e sim de parasitas também. rs Adorei o texto, muito bom!!!

Anónimo disse...

Meus caros, por norma, arrisco-me a dizer que 99,99% do bacalhau tem parasitas. lamento rebentar a vossa bolha... Os grandes peixes predadores são os que mais têm.Mas não vou dizer mais pormenores, porque senão deixavam mesmo de comer peixe.
Também descobri sobre esses parasitas há algum tempo, quando comprei verdinhos para fritar, salguei-os de véspera e no dia seguinte era ver os ditos cujos em cima do peixe e dentro da pele, meio adormecidos por causa do sal... O peixe tem de ser examinado visualmente e retirada uma pequena amostra para verificar que não têm bichos antes de serem postos à venda, mas não foi o caso... Estavam CHEIOS, chocante mesmo. Óbvio que já não conseguimos comê-los, partiu-me o coração ter que desperdiçá-los para o lixo,apesar de saber que eles morrem com a temperatura.

Teclando Terapia disse...

Bióloga e brasileira! Parabéns, estou encantada com o belo texto. Tive experiência parecida, preparando a ceia certa vez me deparei com muuuuuitos destes parasitas. Mais de 30 em 2kg. Minha mãe ao ver minha chateação me tomou a vasilha e lançou tudo às galinhas, que criàvamos na época. Hoje me acabo de rir com a "solução" que ela deu. É complicado saber se um bacalhau ou mesmo um peixe cru numa comida japonesa, passou por rigorosa avaliação. Ainda não me apetecem carnes cruas e o bacalhau. Abraço!

Unknown disse...

Eu já tive esse desprazer e não tive coragem de cozinhar e comer, acabei dando para outra pessoa que não se importava com os bichinhos 🤢