Acabado de regressar do Forum Social Europeu que decorreu em Londres, de 14 a 17 de Outubro, é ainda a fervilhar de imagens, sons e palavras duma autêntica Torre de Babel que lanço no papel os primeiros flashes desta crónica. Para além de tudo o que vi e ouvi em quatro dias, não posso omitir uma nota pessoal ao regressar, 35 anos depois, à cidade onde trabalhei e aprendi a sobreviver como imigrante, com a bonita idade de 17 anos. O longínquo verão de 1969 foi prenhe de acontecimentos fabulosos: os Beatles lançavam o que seria o seu álbum de despedida, “Abbey Road”; a chegada do primeiro homem à Lua - “The Man on the Moon” – em que uma parte da humanidade, ainda hoje, não acredita; o rescaldo do Maio de 68 e da Primavera de Praga; o diário de Che Guevara, com a confirmação da sua morte na selva boliviana; a luta pelos direitos cívicos na Irlanda do Norte que me deu a conhecer a primeira carga policial a cavalo em pleno centro de Londres, sobre a calçada de Piccadilly Circus que foi também o meu primeiro colchão em terras de Sua Majestade. Foi bom calcorrear ruas e praças ainda familiares e reavivar memórias que o passar dos anos não apagou.
Reconhecido o terreno, era a hora de descobrir as novidades, o que verdadeiramente nos levara a Londres com um grupo de 50 portugueses que, aqui e agora, quiseram viver e assumir por inteiro a condição de cidadãs e cidadãos da Europa e afirmar que outro mundo é possível, necessário e urgente. Com escala por Bruxelas, tivemos oportunidade de visitar o Parlamento Europeu e assistir a uma sessão do plenário tão pouco entusiasmante como o próprio tema: o balanço da Comissão Prodi que não fica para a História, apesar do alargamento para a Europa a 25; mas houve logo quem avisasse que não espera melhor da nova Comissão Barroso, com o desafio imediato dum projecto de Constituição liberal a enfrentar múltiplas resistências e a ameaça de chumbo em vários dos dez referendos nacionais já anunciados – será desta que teremos um referendo europeu em Portugal? E ainda houve tempos para um encontro com os eurodeputados Miguel Portas e Vittorio Agnoletto, da Refundação Comunista Italiana, sobre o futuro dos Fóruns Sociais mundial, continental e nacionais: o movimento dos movimentos começa a dar água pela barba à (des)ordem neoliberal.
Mas esse era o assunto que nos levava a Londres, depois de atravessar o túnel da Mancha no TGV ‘Eurostar’, ainda com cheiro a fresco, após uma minuciosa revista para recordar aos mais distraídos que a Inglaterra é um país em guerra, pelas piores razões… O recenseamento de mais de 20 mil delegados ao FSE decorreu com relativa normalidade, apesar de umas voltas ao quarteirão – afinal, não há filas só em Portugal. O melhor estava reservado para as salas da Alexandra Palace, enorme e magnífico espaço coberto no norte de Londres com a dimensão de uns cinco campos de futebol onde decorreram, em simultâneo, dezenas de debates e conferências sobre temas tão diversos como: a luta contra o racismo e xenofobia e a luta por uma alternativa à Europa-fortaleza, que reconheça a cidadania europeia a todas e a todos os que nela vivem e trabalham – oportunidade desperdiçada no projecto de Constituição liberal; a defesa da vida num planeta ameaçado pela sobre-exploração dos recursos petrolíferos; a defesa da água como recurso público e finito, ameaçado pela privatização - água que é o petróleo do século XXI e ameaça tornar-se o leitmotiv de futuras guerras, se não forem travados os apetites de multinacionais como a Coca-Cola que está a tomar conta das principais fontes de abastecimento e fornecimento de água em África. Ouviram-se gritos de emancipação de movimentos feministas: metade da humanidade vê ainda os seus direitos ignorados e é vítima da violência e das guerras. Ergueram-se vozes contra todas as formas de discriminação, baseadas na cor da pele, na religião, no género ou na orientação sexual. E falou bem alto a solidariedade com a Palestina e a luta contra a guerra e a ocupação do Iraque.
A guerra foi, aliás, o grande tema deste Forum que terminou numa imensa manifestação pelas ruas de Londres, no domingo: fim à guerra e à ocupação do Iraque, retirada das tropas britânicas, agora colocadas sob o comando norte-americano na iminência do assalto a Falluja. Já agora, para quando a retirada da GNR do Iraque? Uma faixa com os dizeres em inglês “Lutamos pelo aborto legal em Portugal” causou perplexidade, até junto de mulheres-polícias inglesas. Mas o melhor foi o clima de festa e de luta, alegria e confiança entre os manifestantes predominantemente jovens. Já em Janeiro, o FSM regressa a Porto Alegre, depois de ter passado por Bombaim, na Índia. Definitivamente, não vivemos mais isolados no nosso cantinho, o que abre novos motivo de esperança à humanidade.
Alberto Matos
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