O novo governo da velha direita tomou posse em tempo recorde, com a bênção presidencial mas sem a legitimação democrática das urnas. O descaramento da dupla Santana-Portas começou já a manifestar-se nas encenações mediáticas do primeiro-ministro e na divulgação de ministeriáveis, com algumas ‘gafes’. Este é um governo formado à pressão mas apresentado a conta-gotas, longe da pose de Estado do cavaquismo. É o que se pode arranjar numa direita cada vez mais ‘pimba’, fiel à velha máxima “com papas e bolos se enganam os tolos”. Mas a sociedade evoluiu do ponto de vista democrático, a cidadania tornou-se mais exigente, como transparece de todos os estudos de opinião que rejeitam a continuação das políticas liberais e conservadoras – do aborto ao ambiente, da saúde, ao trabalho, à educação e à cultura – e, por isso mesmo, exigiam eleições antecipadas.
Nascido dum aleijão democrático, este governo sai pior que a encomenda. Quanto ao pai, à mãe e ao padrinho, estamos conversados. Na equipa ministerial, é óbvio o reforço dos grandes lobbies económicos, desde logo nas Finanças: Manuela Ferreira Leite, ‘queimada’ pela obsessão do défice e com parte do trabalho sujo já realizado, dá lugar a Bagão Félix no ministério com maior poder e influência. Com o novo Código do Trabalho no bolso e a lei do trabalho temporário que eterniza a precariedade, Bagão bem pode preparar novas benesses fiscais à banca e às seguradoras que multiplicam lucros em tempo de crise, no remanso da zona franca da Madeira; e a promessa de baixar o IRS, em ano de eleições, não é para diminuir a fuga, a evasão e a injustiça fiscais.
No núcleo duro do governo há um regresso às lides da política: Álvaro Barreto, ex-ministro da Agricultura, cabeça de lista do PSD por Beja nos anos da machadada final na reforma agrária, o tal que saiu queixando-se que perdia dinheiro no governo – bela noção de serviço público! – e voltou à gestão empresarial, na Soporcel. Coincidência ou talvez não, regressa na fase final de privatização da Portucel, que conheceu percalços como a retirada da Sonae. O mais grave é a acumulação das pastas da Economia e do Trabalho nas mãos dum homem do grande capital, a mais descarada opção de classe deste governo: a cidadania no trabalho, os direitos sociais e até a IGT subordinados aos interesses do patronato. E que sentido faz separar do Trabalho a área da Segurança Social, diluída nas questões da família e da criança? Só numa concepção assumidamente assistencialista e não solidária, de entrega das reformas e pensões à especulação bolsista dos fundos e das seguradoras.
Com a privatização da GALP em marcha, apesar da contestação do grupo Carlyle, António Mexia vem gerir o maná das obras públicas, com petiscos como o aeroporto da Ota e o TGV. Significativa é a continuação na Saúde de Luís Filipe Pereira, homem de mão do grupo Mello, quando se prepara a entrega da construção e exploração de novos hospitais (como o de Loures) a privados. O CDS-PP sai reforçado com a ida de Luís Nobre Guedes (advogado de empresas do sector das águas) para o Ambiente que tutela a privatização das Águas de Portugal, formando dupla com Telmo Correia no Turismo. Paira no ar a destruição o que resta da nossa costa e das áreas de paisagem protegida…
Do governo anterior, ao que parece por cunha de Durão Barroso, continuam José Luís Arnault e Nuno Morais Sarmento - este com o título de ministro de Estado mas em nítida perda de poder e de confiança política por parte de Santana Lopes. Significativa é a nomeação do novo MAI, a pedido de Dias Loureiro: Daniel Sanches, director do SIS durante o período de crise na Ponte 25 de Abril, na época das escutas telefónicas generalizadas e dos célebres relatórios secretos sobre estudantes e sindicalistas. Será esta a resposta do governo à previsível subida da contestação social e cívica nos próximos tempos: um ‘bufo’ à frente do MAI?
Face ao panorama da governação à direita, o cenário não é animador no maior partido de oposição. Confesso que me enganei, na semana passada, quanto ao regresso de Vitorino - afinal, D. Sebastião continua perdido nas brumas europeias… Mas eis que surge um novo salvador: Sócrates, o das cimenteiras, derrotado no negócio da co-incineração. É o guterrismo reciclado, num estilo algures entre o seminarista e a lota de Matosinhos, logo saudado pelo líder distrital de Beja, Pita Ameixa. Por este andar, João Soares arrisca-se a ficar com ‘a bandeira da esquerda’ e o apoio do indefectível António Saleiro… Enquanto algumas almas bem intencionadas continuam à procura dum candidato da esquerda que, no PS, é cada vez mais um lugar deserto, muitos militantes e eleitores socialistas não se resignam a ser a outra cara da bloco central, na alternância com a direita.
Alberto Matos
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