sexta-feira, julho 02, 2004

Do passe social ao preço dos combustíveis



Na sequência da assinatura e ratificação do Protocolo de Quioto e seguindo as directivas europeias e a sua própria “Política energética portuguesa” (Resolução do Conselho de Ministros n.º 63/2003), o governo criou e introduziu uma “taxa (sobre a emissão) de carbono” a ser aplicado à generalidade dos combustíveis derivados do carvão mineral, petróleo e gás natural (os combustíveis fósseis) – que, ao serem consumidos, emitem dióxido de carbono para a atmosfera.

Em fins de Março o governo aprovou o PNALE – Plano Nacional de Atribuição de Licenças de Emissão. Através dele, fixou montantes de licenças de emissão e atribuiu-as gratuitamente (não tinha de ser assim) às cerca de duzentas instalações industriais que fazem maior utilização de combustíveis fósseis. Aí se incluem centrais térmicas e termo-eléctricas, refinarias, cimenteiras, celuloses, etc.

Esse Plano surge na sequência da Directiva europeia 2003/87/EC de 13 de Outubro, sobre comércio de emissões, que determina que a partir de 1 de Janeiro de 2005 seja aberto o comércio europeu de licenças de emissão (CELE) nos sectores intensivos de energia abarcando todos os estados da União. A dotação dessas licenças confere activos adicionais às empresas beneficiárias, mas introduz fontes de carbono que, sendo privilegiadas, implicam um esforço adicional de contenção a nível nacional. Sem que todavia tal seja garantia para que a “taxa de carbono” não seja pretexto para que os produtos dessas empresas venham a ter o preço agravado – escute-se o que a EDP desde logo prometeu sobre o preço da electricidade.

Essa atribuição gratuita de licenças de emissão aos sectores industrias de consumo energético mais intensivo foi criticada pela sua falta de transparência, pela inflação dos montantes, pela sua repercussão nos consumidores finais. Pelo contrário, a valorização de activos das empresas mais afortunadas foi saudada por agentes e consultores bolsistas e acrescerá à margem de especulação financeira.

Em meados de Junho o governo aprovou o PNAC – Programa Nacional para as Alterações Climáticas – no qual propõe um pacote de “medidas adicionais” para procurar reduzir o crescimento das emissões de dióxido de carbono para a atmosfera, ou seja, do consumo de combustíveis fósseis. As medidas adicionais incidem sobre a generalidade dos sectores não abrangidos pela Directiva e pelo PNALE.

O ponto de partida para as “medidas adicionais” é a “taxa de carbono”. Esta taxa é utilizada como um “sinal” para incentivar a redução de níveis e alterar padrões de consumo, que conduzam a utilização mais racional e eficiente da energia. Esse é um sinal transmitido através dos preços, associado ao conteúdo energético e/ou à emissão de dióxido de carbono de cada particular combustível, e será suportado pelos consumidores.

Por outro lado, como taxa gera um fluxo financeiro a favor de um “fundo para as alterações climáticas”, que deveria financiar políticas energéticas e ambientais consentâneas com o fundamento da criação e aplicação da taxa. Mas que poderá acabar por financiar os chamados “mecanismos de flexibilidade” previstos no Protocolo de Quioto (que são investimentos industriais no exterior) ou pagar a penalização da previsível ultrapassagem do limite dos direitos de emissão atribuídos a Portugal.

Do elenco de “medidas adicionais” preconizadas pelo PNAC relevam pelo maior número e maior peso global, as que incidem no sector dos transportes. Com efeito, este sector deveria assegurar pelo menos 40% do esforço de redução de emissões espectáveis do conjunto de todas as medidas adicionais.

As medidas preconizadas deverão contrariar os transportes individuais e favorecer os transportes públicos, reduzir os consumos nos transportes rodoviários de mercadorias, melhorar a eficiência energética do parque automóvel, promover a transferência modal de transporte individual para transporte colectivo na Áreas Metropolitanas, etc.

Ora o sector dos transportes depende quase totalmente dos combustíveis líquidos derivados do petróleo. A “taxa de carbono”, mais um imposto, uma vez aplicado não é diferenciável das restantes taxas e impostos que já oneram os combustíveis líquidos. Ela será operacionalizada em articulação com, designadamente, o IVA e o ISP (imposto sobre produtos petrolíferos).

A introdução da “taxa de carbono” gera, como ficou dito, um importante fluxo financeiro que reverterá para o Estado, em princípio para um “fundo para as alterações climáticas” preconizado pelo governo. Como será gerido esse fundo? Será efectivamente redistribuído com fins energéticos, ambientais, económicos, sociais. Quais?

É sabido que, em geral, os encargos com transportes (como aliás os encargos domésticos com electricidade e gás) representam uma encargo relativo tanto maior quanto mais baixos forem os rendimentos dos agregados familiares. Por isso há que atender às grandes assimetrias sociais que existem. E faz sentido que parte da receita que o estado cobrará como “taxa de carbono” seja redistribuída a favor dos mais carenciados - que são, também, os que menos energia per capita consomem.

Mas isto não significa que a redistribuição se faça através da diferenciação do preço dos passes sociais. Tal opção introduziria discriminação e “sinais” de confusão entre os utentes dos meios de transporte nas Área Metropolitanas, para além dos custos da sua operacionalização. Há muitas maneiras de fazer redistribuição da renda nacional.

O anuncio de diferenciação do preço do passe social surge, assim, como uma manobra de diversão, antecedendo a próxima subida geral de preços de combustíveis e, consequentemente, de meios de transportes e de muitos produtos (afectados pelos custos de fabrico e/ou pelos custos de transporte). Isto não só em Portugal, mas em todo o espaço europeu.

Rui Namorado Rosa (Resistir)

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