Hawa Hussein é uma sudanesa que vive actualmente com o que restou de sua família, a céu aberto, dormindo sobre um tapete, num campo de refugiados. Tem esperança de que um de seus filhos tenha chegado ao Chade - país vizinho do Sudão, para onde se dirigem levas de refugiados famintos, feridos e amedrontados. Ela perdeu dois filhos quando sua vila em Darfur, na região oeste de Sudão, foi atacada por forças do governo.
Há poucos meses atrás, o sofrimento em Darfur não tinha rosto nem nomes na Media internacional. Era um detalhe na guerra sem fim que há vinte anos se desenrola entre o Sul e o Norte do Sudão, envolvendo conflitos etno-religiosos e, por trás deles, interesses internacionais que, finalmente, estariam a ser contemplados num acordo de paz em plena fase de implementação.
A dizimação sudanesa, nas duas últimas décadas, já acumula um saldo de dois milhões de mortos, quatro milhões de desabrigados internos e meio milhão de refugiados. Os principais protagonistas são, ao Sul, o Exército Popular para a Libertação do Sudão (SPLA, em inglês), formado por cristãos e apoiado pelos Estados Unidos e pelo Vaticano; e, ao Norte, o próprio governo do país, apoiado principalmente pelos árabes muçulmanos que desde 1983, tenta impor as leis do Corão como oficiais num país formado também por cristãos, animistas e seguidores de seitas tradicionais africanas.
A bomba relógio que, nos próximos dias, levará Kofi Annan a visitar o Sudão, está armada em Darfur. Ali, há um ano e meio, o mesmo governo sudanês que faz acordos com o SPLA aciona suas armas e movimenta as milícias árabes que o apóiam, chamadas Janjaweed, contra a população civil e os grupos armados não árabes que reivindicam sentar-se à mesa das negociação de paz.
É cada vez mais claro, nas denúncias das ONG no terreno que está em marcha um processo de limpeza étnica, contra a população africana não árabe. A Human Rights Watch denuncia que os milicianos Janjaweed foram armados e uniformizados pelo governo para acabar com essas comunidades, todas formadas por agricultores. Segundo a Amnistia Internacional, a população é obrigada a fugir para não sucumbir a uma acção sistemática de saques e destruição de aldeias.
A instabilidade na região ameaça a vida de 2 milhões de pessoas, um terço da população de Darfur, segundo a ECHO - Agência de Ajuda Humanitária da Comissão Europeia. Em Darfur, 30 mil pessoas já foram assassinadas no último ano e meio e mais de cem mil foram obrigadas a fugir, cruzando as fronteiras até Chade. O que pode acontecer nos próximos meses em Darfur combina a carta branca dada pelo governo aos Janjaweed, a omissão dos países que influenciam as negociações Norte-Sul (como Estados Unidos e Egipto) e a fome provocada pela devastação das colheitas, destruição das casas e expulsão dos agricultores.
A época das chuvas, que se aproxima, deixará a região sem comida. Na melhor das hipóteses, se tudo for feito pela comunidade internacional para fazer chegar já a ajuda humanitária imprescindível, de 100 a 300 mil pessoas perecerão, segundo analistas ouvidos pela agência IPS. Se não chegar ajuda a tempo, o fantasma de Ruanda assombrará o mundo novamente.
Rita Freire (Adaptação de PP), Outras Palavras
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