sexta-feira, junho 25, 2004

Orgulho (?) Gay

De que Orgulho falamos (?), pergunta-se Esther Mucznik no Público de 25-06-04, sobre os eventos de comemoração do Orgulho Lésbico, Gay, Bissexual e Trans (LGBT).

É, no entanto, um conceito errado e nocivo. A coesão do tecido social é feita não da soma das diferenças, mas de um todo coerente que, sem as anular, as integra num conjunto mais vasto, com uma ordem, princípios e regras gerais que se sobrepõem a todos os particularismos. Afirmar a sua identidade de grupo acima de tudo e de todos - e é isto o que significa o "orgulho"- conduz directamente à autocomplacência e, mais do que isso, a permitir-se tudo aquilo de que se acusa os outros. (Esther Mucznik)

Não falamos do Orgulho de se ser ou deixar de se ser homossexual. Falamos de Orgulho, não da nossa orientação sexual mas sim de lhe irmos sobrevivendo num país que nos agride todos os dias. Falamos do Orgulho de que alguém tem que falar a quem na verdade vive na vergonha de ser quem e como é, porque outra coisa não lhe foi ensinada. Falamos da vergonha em que tantos/as de nós crescemos tendo por referência do que somos apenas o insulto e o estereótipo.
Falamos do Orgulho - ou auto-estima, se preferir - desta parte da população portuguesa a quem tanto amor-próprio (não enquanto LGB ou T, mas enquanto seres humanos) foi e continua a ser roubado pelo insulto e pela discriminação quotidianos. Falamos do Orgulho de quem decidiu que basta de esconder metade de si, mas ora é acusado de não se assumir, ora de se assumir demasiado.
Tal como as declarações recentes de Santana Lopes são uma caricatura do preconceito, a Marcha do Orgulho é uma metáfora das vidas LGBT em Portugal, dadas as resistências que se opõem a este momento de visibilidade. Santana gostaria de inviabilizar a Marcha, retirando-a do centro da cidade, tal como a maioria heterossexual impõe invisibilidade constante às vivências homo. Ninguém é homossexual enquanto não se afirma, expondo-se, como parte desse "grupo". Ou seja, toda a gente é heterossexual enquanto não afirmar o contrário.
Não me parece que a heterossexualidade precise de se afirmar da mesma forma para ser presumida. Curioso é que é no mundo hetero que se exibe o orgulho de uma orientação sexual, que até nos dizem ser mais "natural"- superior - que aquelas que ficam fora da moral dominante.

Sérgio Vitorino
Lisboa

Sem comentários: