quarta-feira, maio 05, 2004

O pesadelo de Sharon II

O que Sharon não previu

Ainda assim, nos anos vindouros Sharon pode descobrir que este momento supostamente de triunfo pode, na verdade, ter marcado o dia no qual os seus piores pesadelos começaram a tornar-se realidade. Ao mesmo tempo, o presidente Bush promove anos de retrocesso na política norte-americana para Israel e para a Palestina, e a sua declaração deve marcar uma mudança fundamental na estratégia para o conflito palestiniano.

Sharon não querendo pôr em causa a sua reeleição, está pouco interessado em provocar o seu eleitorado judeu e cristão de direita, pelo que a solução que passa pela existência de dois Estados estará condenada.

Sharon está alerta para o crescente problema demográfico nos Territórios Ocupados. Uma população palestiniana hoje semelhante à de Israel deverá em breve ultrapassá-la, e não poderá ser mantida sob ocupação indefinidamente.

O Estado Palestiniano nos termos de Sharon não é apenas insustentável. Não chegará, sequer, a ser Estado. O modelo de Gaza será copiado na Margem Ocidental, reduzindo o território a guetos isolados em Ramallah, Jenin-Nablus e Bethlehem-Hebron. Bush pode declarar publicamente o seu desejo pela existência de um Estado Palestino que seja “viável, contíguo, soberano e independente”, mas já demonstrou que jamais intervirá novamente contra a destruição deliberada promovida por Sharon.

Como no apartheid africano

A visão de Sharon para uma Palestina independente é bastante próxima da demarcação, em 1951, dos bantustões, como o território destinado aos sul-africanos negros. Reservas étnicas em essência, tais áreas também eram vistas pela comunidade internacional como um passo rumo à descolonização e à solução do problema demográfico sul-africano. Problema este que, na Palestina, viu uma minoria no poder ser ultrapassada em número por uma maioria indesejável. De qualquer modo, não demorou muito para que ficasse claro que era apenas um plano para legitimar a expulsão dos negros. A estratégia ruiu e o mundo uniu-se para pôr fim ao regime de discriminação.

Israel é um Estado já extremamente próximo de se tornar, como a África do Sul de antigamente, um pária entre a comunidade internacional. Se não fosse pelo veto dos EUA, é quase certo que estaria enfrentando sanções. Se Sharon nega aos palestinianos a esperança de um território viável e livre, estes não terão outra alternativa excepto pressionar por um Estado democrático único e binacional.

Antes de seguir para Washington, Sharon visitou Maale Adumin, o maior colonato da Margem Ocidental, a leste de Jerusalém. Num discurso proferido durante um encontro com colonos, prometeu que seus lares continuariam a fazer parte de Israel “para toda a eternidade”.


A ideia do Estado binacional


Isso pode até tornar-se uma realidade, mas será que tais fanáticos religiosos achariam as terras que confiscaram tão atraentes se fizessem parte de um Estado binacional maior, que incluísse toda a Palestina histórica? A terra pareceria tão importante se fosse dada, em vez de roubada? Onde estaria o interesse em viver numa fortaleza pré-fabricada de betão, na qual tanto palestinianos como israelitas tivessem acesso a todos os locais sagrados?

Na quarta feira, Sharon declarou publicamente a morte do plano de paz conhecido como “Mapa da Estrada”. Não deixou espaço para manobras, nem mesmo para os aliados que tinham assegurado ser possível acomodar o seu plano dentro do processo existente. Se dois Estados são impossíveis, Sharon não deixa aos palestinianos outra opção que não seja a de lutar pela sua liberdade, sobrevivência e direitos iguais dentro de um Estado único.

Como Sharon reagiria a tal manobra de retaliação pelo povo que ele tem tão obviamente procurado demonizar e destruir? Em vez do triunfo imaginado durante a sua estadia na Casa Branca, Sharon pode descobrir que a estratégia de esmagar os palestinos de uma vez por todas pode ter se voltado contra ele.

Mustafá Barghouthi Resumido por PP.

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