quarta-feira, maio 19, 2004

Nas TVs, a “Índia que brilha”, a realidade apagada

Enquanto isso, economistas animados nos informam, nas páginas dos jornais da grande Media, que a taxa de crescimento do PIB é fenomenal e sem precedentes. As lojas são inundadas com produtos. Os armazéns do governo estão entupidos de grãos. Mas os últimos cinco anos correspondem, também, ao mais brutal aumento na desigualdade de renda entre populações rurais e urbanas desde a independência. Atolados em dívidas, agricultores têm cometido suicídio às centenas. Entre a população rural da Índia, 40% têm o mesmo nível de absorção de grãos da África sub-Saariana; e 47% das crianças indianas são subnutridas.

Na Índia urbana, porém, as lojas, os restaurantes, as estações de trens, os aeroportos, os ginásios e hospitais têm televisores, que transmitem imagens nas quais a Índia brilha e se sente bem. É só fechar os olhos para ouvir a arremetida doentia das botas de um policial sobre as costelas de alguém. É só levantar seus olhos dos cortiços, das favelas, do povo miserável nas ruas e procurar um monitor de TV amigo, e você estará num mundo lindo e diferente. O mundo de canto e dança dos eternos sacolejos pélvicos de Bollywood, dos indianos eternamente privilegiados e felizes agitando a bandeira tricolor e se sentindo bem. Leis como a LPT são parecidas com os botões de uma TV. Você pode usar para desligar os miseráveis, os causadores de problemas, os inconvenientes.

Quando a LPT foi aprovada, o Partido do Congresso encenou uma oposição ruidosa no Parlamento. Revogar a lei, contudo, é algo que nunca chegou a ser discutido nesta campanha eleitoral. Mesmo antes de o governo ser formado, reforçaram-se as garantias de que as “reformas” continuarão. Que tipo de reforma exatamente, temos de esperar pra ver. Felizmente o Partido do Congresso será controlado, já que precisará do apoio dos partidos de esquerda se quiser governar. Com alguma esperança, as coisas vão mudar. Um pouco. Estes últimos seis anos têm sido muito infernais.

Arundhati Roy, Outras Palavras

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