Está na moda falar em “discriminação positiva”, seja na segurança social, seja na educação seja no que quer que seja. Nada tenho a obstar, contudo cheira-me a esturro esta ideia. Discriminar significa diferenciar, distinguir etc. Só se deve falar de discriminação quando os dois termos concorrem para um mesmo fim, daí a “discriminante matemática”, ou de “discrime” quando há conflito. Assim sendo, falar de discriminação entre “iguais” é tão bárbaro falar em discriminação positiva como em discriminação negativa, uma vez que tal adjectivação fica carregada de juízos de valor, e nunca saberemos porque é que uma é positiva e outra negativa e vice-versa. Juízos!
Pois bem, isto a propósito de quê? A propósito da nova legislação sobre o “subsídio de desemprego”, e sobre o facto da nova lei conter tais armadilhas que levam José M. Fernandes do “Público” a afirmar em Editorial de 13 de Maio (data curiosa para ter misericórdia das empresas portuguesas) “E a norma mais controversa prejudica mais as empresas do que os trabalhadores”.
Este tipo de afirmações não podem passar sem a devida resposta, pois a sua justificação é tão incongruente que o seu contrário é também válido. Diz-nos o “sábio enciclopédico” : “Devo dizer que, apesar dos sindicatos terem protestado muito, essa norma vai sobretudo penalizar as empresas. E porquê? Porque o mútuo acordo é isso mesmo: um acordo. Se um trabalhador passar a receber menos tempo de subsídio, vai exigir mais na negociação com a empresa e esta, se realmente quiser reduzir os seus quadros, sentirá, no quadro do actual regime dos despedimentos, maior pressão para pagar mais pela rescisão amigável do contrato”.
Que bela estirada, na “mouche”. Estou verdadeiramente “touché”. Ora uma acordo é isso mesmo, exige concordância das duas partes, e a empresa que se “vai ver prejudicada” não vai assentir tal prejuízo, e pode não entrar em acordo, e pronto já não se prejudica ninguém, só o trabalhador porque a “corda parte sempre pelo lado mais fraco”. Mas o “douto enciclopédico” ainda vai mais longe na dissimulação de tal patranha, pois diz que isto é assim “no actual regime de despedimentos”. Que actual, o que vige hoje e não vigirá amanhã? Necessito de esclarecimentos!?
Deve estar em júbilo o Sr. Director do Público, pois se o Sr. Engº Belmiro o quiser pôr na “alheta” ele vai prejudicar seriamente a empresa, pois a nova lei permitir-lhe-á negociar numa posição vantajosa. Até parece que agora vale a pena aproveitar a discriminação positiva para os trabalhadores e a discriminação negativa para as empresas, pois naquelas cujos futuros negociadores à rescisão vão usufruir menos tempo do subsídio vão ser mais duros nos “acordos”. Não está correcto. As empresas devem revoltar-se e não se deixarem discriminar quer entre elas quer em relação aos futuros negociadores de rescisão que usufruirão subsídio. E os trabalhadores devem unir-se para se não deixarem discriminar pelas empresas discriminadas. Depois disto ainda é o sistema de atribuição de subsídio que discrimina (positivamente).
Até parece que estou a discriminar demasiado. Não, eu gostaria de dizer que toda a discriminação é positiva e toda a discriminação é negativa. Só casos idênticos podem ser discriminados, os outros não, pois já o são na sua essência, quem não perceber isto andará eternamente a falar de discriminação positiva quando quereria dizer equidade de tratamento. Disse que a discriminação positiva comporta sempre a discriminação negativa, por isso gostaria de perguntar ao Sr. Director, quem é que nesta norma é discriminado negativamente? Será que ninguém? Ou dir-me-á que são as empresas?
São muitas interrogações que precisão de resposta, e que não podem deixar de ser respondidas.
Parece-me que esta ideia recorrente da “discriminação positiva” venha a servir outros fins que não a justiça e a equidade entre as relações laborais e a segurança social. Falar em discriminação positiva é neste caso, para mim, o mesmo que falar de “discriminação racial positiva” e neste caso qualquer dia estamos a assistir ao revisionismo do “apartheid”, pois poderá argumentar-se que a discriminação dos brancos em relação aos negros era uma “discriminação positiva”, não faltarão argumentos, bem como para o seu contrário.
Deixemo-nos de discriminações, positivas ou negativas, e comecemos a falar de justiça social, de apoio a quem realmente precisa, e não são tão só e em primeiro lugar as empresas, pois essas não têm rosto nem barriga, nem sistema digestivo, contudo, o futuro necessitado de subsídio tem tudo isso acrescido de uma personalidade o que o torna PESSOA. Primeiro a “pessoa” e só muito depois a “empresa”. Haja justiça social e nada de discriminações, pois perante a lei todos são iguais, logo indiscrimináveis. Não se deve dar a todos o mesmo, pois isso também seria tratar o desigual por igual, deve dar-se a cada um aquilo que ele merece e aquilo que necessita para manter integra a sua dignidade, e do mesmo modo quem recebe deve comportar-se para com a sociedade que o ampara com respeito e empenho para o bem colectivo.
Por tudo isto perece-me infeliz o uso da terminologia “discriminação positiva”, quer pelo actual Sr. Director (do Público, claro! Digo actual pois é bem capaz de aproveitar a boleia para entrar em acordo com o Eng. e ir para o subsídio, isto porque ele é uma pessoa inteligente e não irá deixar passar esta maravilhosa oportunidade) quer pelos nossos governantes. Nem se trata de discriminação, nem de diferenciação, trata-se na mesma de igualdade perante a lei quando os casos são idênticos.
Excepto para as empresas, não é Sr. Director?. São sempre as empresas as injustiçadas, os malandros dos trabalhadores, aliás futuros desempregados, é que são sempre “positivamente discriminados” .
Ainda bem que defende os interesses dos trabalhadores apontando-lhes os caminhos para a negociação de “acordos mútuos” de despedimento. Sem a sua ajuda nunca haveria acordos vantajosos para os trabalhadores, a partir de agora estão alertadas as empresas, “cuidado com os acordos mútuos de despedimento pois há a hipótese dos trabalhadores levarem vantagem sobre a empresa”.
Em nome das empresas agradeço antecipadamente o aviso, não nos deixaremos fintar!
Em nome dos trabalhadores agradeço também. Eis um exemplo de discriminação positiva. Os dois pólos do problema estão no mesmo pólo. Ehhh. Há algo de errado nisto!???? Não?!
José Cordeiro
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