terça-feira, maio 18, 2004

Concordata

No dia 18 de maio (data do aniversário de Karol Wojtyla, o actual Papa João Paulo II), o Estado Português e a Santa Sé formalizam a assinatura de uma nova Concordata, um convénio que, uma vez aprovado pela Assembleia da República e ratificado pelo Presidente da República, passará a vigorar em substituição da antiga (ainda vigente?) Concordata salazarista de 1940.
Iniciadas em 2001, no seguimento e em consequência da aprovação da "Lei de Liberdade Religiosa", as negociações que conduziram à fixação dos termos daquele acordo desenvolveram-se de modo secreto e é assim que, nas vésperas da sua assinatura formal, os portugueses continuam oficialmente ignorantes do conteúdo do novo «tratado» que passará a vincular o Estado Português -todos nós, portanto- e a Santa Sé.
Sem condições para comentar, na sua inteira extensão e especialidade, os termos do trato específico que o País se vai comprometer a manter, quer com aquela «entidade externa», quer com a «comunidade católica nacional», a associação cívica República e Laicidade, estribada nas posições de princípio que defende, pode, contudo, afirmar-se frontalmente adversa à existência daquela convenção pelas razões e com os fundamentos seguintes:

1. Se é verdade que, pelos acordos de Latrão (estabelecidos com Mussolini, em 11 de Fevereiro de 1929), o Vaticano se passou a assumir como uma entidade independente do Estado Italiano e que, em termos internacionais e para alguns efeitos práticos, a Santa Sé se passou a afirmar como uma entidade equiparada a um «Estado Soberano», verdade também é que essa entidade - o governo central da comunidade dos católicos e a sua sede - não reúne, de todo, as condições de território, de população, de legitimidade política, de governança, etc. para poder ser considerada como uma entidade efectivamente equiparável a um «Estado» com quem a República Portuguesa possa (deva) estabelecer «tratados internacionais» ou quaisquer acordos de estatura e estatuto similar.

2. Sendo bem claro que o actual sistema constitucional e jurídico português constitui um enquadramento suficiente para garantir o exercício pleno da liberdade de credo e de culto dos cidadãos, bem como os seus direitos de associação e de expressão, claro também se torna que a Concordata - a nova, tal como a velha - só ganha sentido porque, ao arrepio do princípio republicano e constitucional da absoluta igualdade dos cidadãos perante o Estado e a Lei, vem estabelecer/restabelecer e definir/confirmar no espaço cívico-jurídico nacional um estatuto específico e um quadro especial de tratamento favorável - um regime de «discriminação positiva», de privilégio e de favorecimento, portanto - que o nosso país se compromete a reconhecer e a aplicar à sua «comunidade católica».

17-05-2004
Luis Manuel Mateus
(presidente da associação Republica e laicidade)

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