segunda-feira, março 15, 2004

Terrorismo e Estado de Direito

Do 11 de Setembro ficou a noção de que actos tão repugnantes não mereciam nenhuma explicação. Qualquer que ela fosse seria equivalente a uma justificação. O Médio-Oriente, a situação do povo palestiniano, o subdesenvolvimento, a exploração do petróleo, o imperialismo ou a globalização, nada deveria ser lembrado porque nada justificaria a barbárie e a desumanidade. Nenhuma ideia política explica ou justifica a violência.

Muita gente resistiu e reclamou contra esta noção que transportava a política para um mundo de tagarelice inconsequente, que é a noção que muitos europeus têm da política. De facto, o desencanto e a descrença, à falta de instituições credíveis e fortes de regulação económica e social, têm transformado a democracia representativa num exercício de jenoflexão perante os poderes fácticos, das administrações, dos lobbies empresariais, das redes de corrupção que não param de emergir a todos os níveis.

O debate em torno da veracidade das informações disponibilizadas pelos serviços secretos sobre as armas de destruição massiça cristalizou esta oposição de maneiras de ver: para uns, a falsidade, como de costume, era um mero pretexto político (leia-se irrelevante, um expediente) para lançar a guerra contra o inimigo. Outros entendem esse facto como mais um golpe nas instituições democráticas.

O mesmo debate renasce com o monstruoso atentado a Madrid, em 11 de Março. Como da outra vez, o chefe do governo espanhol avançou contra o inimigo sem informações e decidiu reivindicar para a ETA a autoria do crime apenas na base do seu interesse partidário na peleia pelo governo do país. Quer dizer: são os titulares dos cargos políticos os únicos a terem o direito de determinar, oficialmente e por vontade e interesse próprios (quais exactamente?), os móbeis do crime.
A pergunta que se impõe é a seguinte: onde está (ou pode estar) a independência da justiça dos Estados de Direito em que se suportam as democracia ocidentais?

António Pedro Dores

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