No dia 8 de Março, tod@s falaremos de Mulheres, com certeza! É incontornável! Mas como falaremos e de que falaremos?
Podemos sublinhar que esta coisa dos dias internacionais é talvez, acima de tudo, um prémio de consolação d@s que sofrem, d@s que são excluíd@s, d@s que são subaltern@s, d@s oprimid@s - tod@s vítimas do patriarcado e do capitalismo! Se não, vejamos: ambiente, sida, pobreza, povo palestiniano, direitos humanos, paz, crianças, água, refugiad@s, população, idos@s, saúde, contra o racismo, etc.! São tantos e tão importantes estes dias mundiais que não os sabemos de cor!
As Mulheres são aí uma grande maioria! Porque são mais de metade da população mundial! Porque se cruzam e se juntam com outras gentes e criaturas com quem partilham esta exclusão! Porque partilham e acumulam a sua condição de mulheres a outros "estatutos" "congratulados" com um dia mundial especial.
Porque serão estes dias importantes? Será por serem o reconhecimento "implícito" das criaturas que sofrem e que vão sendo aniquiladas, em corpo e mente? Será porque servem de dia de purificação, para que fiquemos legitimad@s para os males que lhes infligimos o resto do ano? Ou será porque reconhecem, apesar de não cuidarem, a sua importância? Ou será porque alguns aproveitam para contrapor os progressos feitos aqui, nas sociedades "desenvolvidas", em contraponto (ou à custa) das misérias, nas sociedades "atrasadas"?
Porque serão sempre estes dias de tristeza, de reivindicação e de conformismo, e não de celebração? Porque é que a 8 de Março não celebramos as Mulheres e o Feminino na sua diversidade e pluralidades e nos contributos que trazem para este nosso mundo? Porque insistimos que há dois mundos de Mulheres, o de lá e o de cá? Porque insistimos que é tudo ou sobre atrasos ou sobre progressos?
Porque nos dedicamos, neste dia, exclusivamente a recapitular os infindáveis e aterradores números que deixam mais que evidente a injustiça e o sofrimento das Mulheres? Relembramos quantas mulheres são violadas, espancadas, mortas e traficadas! Quantas mulheres vivem em extrema pobreza! Quantas mulheres são refugiadas ou vivem no meio de conflitos violentos! Porque nos dedicamos a ver as Mulheres num único prisma, onde elas são vítimas e figurantes nas nossas sociedades e comunidades?
Porque não tirar um momento para rever os seus contributos para a nossa Paz, para a nossa Democracia, para a nossa Sociedade? Porque não vê-las através de diferentes lentes, uma das quais permitiria ver a sua iniciativa, a sua criatividade e as suas ideias e posições políticas? As Mulheres participam, como podem e é possível, e exigem participar, como querem, em paridade!
As Mulheres sustentam, em silêncio e na sombra, grande parte da economia nacional e mundial, com o seu trabalho de "reprodução" da sociedade, na agricultura e economia informais, que parecem beneficiar apenas famílias e comunidades locais, mas que na verdade são um dos sustentos fundamentais do mundo globalizado! As Mulheres dedicam grande parte das suas energias à reconstrução, à reposição, à reparação do que o género masculino - protagonizado pela Homem branco no Norte - vai destruindo, roubando e violentando, nomeadamente as Terras e as Identidades e Pertenças Comunitárias. E, as Mulheres fazem tão bem quanto os Homens as coisas que só eles dizem saber fazer, e fazem-no só depois de vencidas todas as restrições de tempo que as tarefas acumuladas lhes impõem: trabalham, ganham dinheiro, jogam futebol, conduzem, constroem amizades e relações sociais!
Assim, como é possível que os Homens, e quem com eles compactua, voltem cada vez com mais força a acreditar e exigir que as Mulheres sejam frágeis, fracas, domésticas, mães e esposas dedicadas, trabalhadoras de curto prazo e sem carreira, obedientes, artificialmente bonitas, e tudo o que mais for possível imaginar!
Onde está a paridade e o respeito proclamado em lei e em palavras, também pelos homens? Foi essa paridade um pequeno gesto de condescendência para connosco e para com as nossas reivindicações e lutas de séculos? Um pequeno gesto que foi possível porque os tempos eram bons, as economias cresciam "cá deste lado" e as Mulheres foram chamadas a fazer a economia crescer ainda mais? E agora, na crise, Mulheres de lá e de cá terão de voltar aos recônditos lugares "onde sempre deveriam ter estado", porque com o patriarcado e capitalismo é mesmo assim. @s muit@s só importam enquanto servem o propósito da acumulação de capitais e bens, não quando querem autonomia, Paz, Justiça e Solidariedade!
Afinal, a nossa luta está longe do fim. O que conquistámos foi pouco, não temos ainda o caminho aberto ao poder e à tomada de decisão, e teremos de continuar lutando e exigindo! E, afinal, temos também de reconstruir a nossa Solidariedade com as Mulheres que se encontram do dito "lado de lá"? Essas que com os nossos adereços artificiais, com a nossa poluição, com o nosso consumo, com o nosso etnocentrismo não ajudamos, e, por vezes, prejudicamos!
Olympe de Gouges foi guilhotinada, depois de lutar pela liberdade, lado a lado com os homens. Foi guilhotinada por esperar também beneficiar das conquistas para as quais contribuiu. Foi guilhotinada por acreditar que a Carta dos Direitos do Homem deveria dizer carta dos direitos do Homem e da Mulher, ou vice-versa. Foi guilhotinada porque percebeu que a liberdade a que se dedicou não era para tod@s! Hoje, não seremos (algumas de nós) guilhotinadas, mas seremos novamente silenciadas e invisibilizadas, porque esta liberdade e a igualdade nada mais significam que um vazio onde é possível e aplaudida a acumulação e a expoliação d@s feit@s frac@s! Se assim não fosse, porque se atrevem homens, conhecidos e desconhecidos, em casa ou nos serviços públicos e privados, a levantar-nos a voz ou a tratar-nos com a condescendência com que se tratam, erradamente talvez, as crianças?
Celina M. dos Santos Da Acção Jovem para a Paz
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