quarta-feira, fevereiro 04, 2004

Passam fome mas financiam Manhattan

Ecos do FSM

Sony Kapoor foi uma das atracções da oficina promovida pelos sindicatos de auditores fiscais do Brasil e da França, para debater a necessidade de uma nova arquitetura financeira internacional. É, em pessoa, o sinal de que o mundo pode ser mudado. Indiano, vive na Inglaterra há anos, veste-se como os jovens britânicos, usa gel para manter os cabelos penteados para cima. Trabalhou em bancos internacionais de investimento da City de Londres. Ajudou a engordar grandes fortunas, e a promover ataques especulativos contra as moedas dos países do Sul. Ganhou dinheiro, viajou por todo o mundo e...se cansou. Há dois anos, abandonou o mercado, fundou uma ONG chamada Tobin Tax Network e passou a denunciar a selvageria das finanças, no capitalismo globalizado.

Impressiona pela riqueza dos dados de que dispõe, pela agilidade com que os maneja, pela capacidade de formular alternativas concretas. Já defendeu a criação de uma Organização Mundial dos Impostos (para combater as guerras fiscais entre países), um novo FMI, um mecanismo internacional para interromper automaticamente a negociação das moedas, quando estiverem sob ataque dos especuladores. Mas uma de suas informações causará impacto especial sobre a platéia. A ordem financeira internacional em vigor é tão injusta, mostra Sonny, que, sob ela, é a Índia quem ajuda a sustentar o consumo e os investimentos dos norte-americanos (inclusivamente a sua corrida ao armamento) – e não vice-versa.

Diante do espanto do público, ele comprova que este país, onde é preciso por vezes fechar o coração, para não entrar em desespero, financia Manhattan e o Pentágono:
1. Os Estados Unidos têm um déficit na sua conta corrente com o exterior equivalente a 5% do PIB – ou seja, consomem muito mais do que produzem, e portanto precisam atrair a riqueza de fora;
2. Como têm a moeda mundial e são o centro do sistema financeiro internacional, podem fazê-lo vendendo ao mundo dólares ou títulos de seu Tesouro;
3. Seguindo as recomendações do FMI, a Índia ampliou fortemente suas compras de dólares e títulos norte-americanos nos últimos anos. A parcela da riqueza indiana emprestada aos EUA por meio deste mecanismo já chega a US$ 100 bilhões.

Uma pergunta paira no ar, depois da explicação. Se o Fórum Social Mundial pretende de fato construir um mundo novo, não tem a obrigação de estimular a busca de alternativas comuns, para certos temas? E não poderia, nestes casos, passar das palavras à ação?

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