segunda-feira, fevereiro 02, 2004

Lições de Mumbai II

Cândido Grzybowski, Sociólogo, diretor do Ibase.

O êxito do FSM em Mumbai deve ser medido pela adesão política, de mente e coração, no sonho e com vontade, à sua mensagem. A cacofonia foi, na verdade, uma pujante demonstração da diversidade de sujeitos sociais que aderem à idéia e querem ser artífices de um mundo diferente, onde a referência sejam todos os direitos humanos para todos os seres humanos. Se até 2003 éramos dominantemente latinos, agora somos mais universais, bem implantados na Ásia onde vive metade da humanidade. O Fórum Social Mundial passou a ser assumido como espaço de expressão de identidades e propostas de amplos setores populares. Foi um enorme salto de qualidade na superação do déficit geográfico e social em termos de sujeitos portadores do FSM.

As novas linguagens e a necessidade de tradução, que faça a liga da igualdade na diversidade, é o desafio político e cultural maior que emerge de Mumbai. A força de novas linguagens, exprimindo identidades não reconhecidas e direitos negados – na qual se sobressaíram os movimentos dos dalits –, somando-se à onda ascendente clamando por outro mundo, foi a tônica das múltiplas marchas no FSM. A poeirenta rua principal foi transformada em avenida da cidadania planetária, das 8h da manhã às 10h da noite. Esse foi o epicentro do Fórum Social Mundial, em Mumbai.

Não foi preciso entender literalmente o que diziam as marchas, bastava render-se ao seu simbolismo cheio de denúncias e afirmações. A elas se somaram e por elas foram requalificados os grandes atos (conferências, painéis e mesas-redondas) sobre militarismo, unilateralismo e guerra, sobre o poder global opressor e as trincheiras de resistência, sobre os movimentos pela paz. No meio, o laboratório vivo de mais de mil seminários e oficinas, a seu modo desencontrados, mas afirmativos da possibilidade de iniciar aqui e agora a construção de outro mundo.

No final, um Fórum que impactou pelo que carrega de surpreendente. Sem dúvida, ainda patinamos na busca do método de diálogo e de construção coletiva de propostas e estratégias. Temos consciência que, com base na diversidade de atores sociais e no respeito ao pluralismo, estamos diante da possibilidade de fazer emergir uma nova cultura política, universalista, cosmopolita, includente, enfim, um novo método de fazer política transformadora. Mas nos demos uma tarefa que supõe muito mais ousadia e radicalidade do que à primeira vista aparece. Diante da crise em que se debate a ordem dominante do direito quase exclusivo do capital, a adesão à mensagem é uma garantia da pujança da onda de cidadania. Mas precisamos transformá-la em força de reconstrução de um mundo solidário, democrático e sustentável, para nós e para as gerações futuras. Essa á a principal lição a extrair de Mumbai.

Tirado da Adital

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