sexta-feira, fevereiro 06, 2004

Armas de manipulação

Edgar Correia, engenheiro

Na página dos media do "Público" de sábado é destacada "uma moda que está a pegar nos EUA", a do aparecimento de "webloggers que controlam/verificam/corrigem tudo o que um determinado jornalista escreve". Bom seria que esta moda se estendesse a Portugal, pois seria muito proveitoso para a opinião pública acompanhar, por exemplo, o que José Manuel Fernandes, Pacheco Pereira e outros conhecidos neoconservadores lusitanos têm escrito sobre o Iraque, desde a fase da apologia político-mediática da guerra, à altura da chegada a Bagdade dos invasores (comparada com o nosso 25 de Abril), até à da manipulação em curso sobre as afinal inexistentes armas de destruição maciça.

Depois do depoimento de David Kay perante uma comissão do Senado norte-americano em que o líder da equipa de peritos americanos reconheceu que, afinal, não existiam quaisquer depósitos ou vestígios de armas de destruição maciça, há verdadeiros atentados à inteligência que têm vindo a ser publicados para travar este escândalo político.

O exemplo mais recente é o texto de José Manuel Fernandes onde é sustentado que, afinal, "estavam todos enganados" a respeito da existência dessas armas e "não apenas as administrações americana e britânica", onde é dado livre curso à versão de emergência - bem necessária à reeleição de Bush - de que a responsabilidade desse "engano" foi, afinal, da comunidade da espionagem… E onde se pretende reescrever a história, não distinguindo entre os que, na dúvida sobre a existência de tais armas, se opuseram à guerra, defendendo a continuação do trabalho dos inspectores, de acordo com o mandato das Nações Unidas; e as administrações americanas e britânica que, sedentas de petróleo, mentiram às respectivas opiniões públicas e a todo o Mundo sobre a perigosidade do regime, precipitaram a ocupação do Iraque, com a ostensiva violação do direito internacional e as consequências trágicas que hoje estão à vista de toda a gente.

No final de Setembro de 2002, Tony Blair escreveu pelo seu punho num relatório que os serviços secretos "haviam concluído sem margem para dúvidas" que Saddam tinha "continuado a produção de armas químicas e biológicas", que prosseguia "os seus esforços para desenvolver armas nucleares" e que "a planificação militar (iraquiana) permitia que algumas das armas de destruição maciça estejam preparadas 45 minutos depois de recebida ordem para a sua utilização".

Há um ano, em 28 de Janeiro, Bush afirmou que "o Governo britânico soubera que Saddam tinha procurado importantes quantidades de urânio em África". Hoje, está provado que essa afirmação foi feita, apesar do enviado especial da CIA ao Níger ter desmentido a sua veracidade.

No início de Fevereiro do ano passado, durante uma hora e meia, Colin Powell encenou, perante o Conselho de Segurança, a gravidade da situação: "Temos descrições em primeira-mão de fábricas de armas químicas sobre rodas e sobre carris"; exibiu um tubo de laboratório afirmando que "uma só gota de gás dos nervos VX na pele matará em minutos"; e rematou, categoricamente, que "cada afirmação feita estava baseada em fontes, fontes sólidas", e que "estava a apresentar factos e conclusões sustentadas num sólido trabalho de investigação". Exactamente o mesmo Powell que agora, depois do informe de David Kay, perdeu todas as certezas: "A pergunta continua a ser quantos depósitos tinham, se é que possuíam algum, e se tinham alguma coisa, para onde foram. E se não tinham nada, porque não se soube antes?".

Não será altura de perguntarmos também ao nosso primeiro-ministro e ao ministro da Defesa pelas "provas" que lhes mostraram?

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