segunda-feira, janeiro 05, 2004

Chico Mendes I

Chico Mendes I
Adital, 19.dezembro/2003





"Se descesse um enviado dos céus e me garantisse que minha morte iria fortalecer nossa luta até que valeria a pena."
Chico Mendes


Brasil - Adital/Rogéria Araújo - No dia 22 de dezembro de 1988, o Brasil perdia um de seus defensores mas activos. Francisco Alves Mendes Filho, ou Chico Mendes, foi assassinado em sua casa no Estado do Acre. A data é considerada um divisor de águas, pois colocou em evidência – nacional e internacional – toda a luta do líder seringueiro que, apesar de ter começado no município de Xapuri, avançou por toda a Amazónia e se estendeu ainda por outras partes do território brasileiro. E era justamente esse, afinal, o seu desejo: que os povos da floresta e toda a Amazónia brasileira tivessem mais atenção. E que as Reservas Extrativistas (Resex) se multiplicassem e servissem de modelo para o que seria o desenvolvimento florestal.

Como se premeditasse o que estava por acontecer, Chico Mendes falou uma frase que determina muito do trabalho que vinha realizando na região Norte do país: "Se descesse um enviado dos céus e me garantisse que minha morte iria fortalecer nossa luta até que valeria à pena. Mas a experiência nos ensina o contrário. Então, eu quero viver. Ato público e enterro numeroso não salvarão a Amazónia".

Infelizmente, contrariando um pouco esta célebre frase, o assassinato do líder sindicalista e seringueiro é considerado um marco quando o assunto é a questão ambiental que envolve, sobretudo, a Amazónia. De 1988 para este final de 2003, o número de reservas extrativistas (Resex) em todo o Brasil aumentou, ainda que num processo lento. À época de sua morte, só existiam quatro projectos destas reservas ainda em fase de implantação. Hoje, 15 anos depois de seu assassinato, contabiliza-se mais de 40 espalhadas em todo o Brasil. Actualmente, segundo dados do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), são, aproximadamente, 6 milhões de hectares – o que representa trabalho e moradia para cerca de 50 mil famílias. Eis um dos sonhos do líder ambientalista que já vem sendo realizado.

"Toda essa ideia sócio-ambiental de desenvolvimento sustentável da Amazónia tomou uma dimensão maior. Na verdade, infelizmente, foi preciso que ele morresse para que isso tivesse uma ressonância em nível nacional. A partir daí acho que se desenvolveu todo um processo de assimilação dessa ideia, já que antes ela era muito isolada, pouco assumida pelo Governo Brasileiro e pela sociedade como um todo", afirma a coordenadora geral do Grupo de Trabalho Amazónico (GTA), Maria Araújo de Aquino, também amiga pessoal e uma de suas companheiras de trabalho no Acre.

No entanto, o número dessas reservas ainda é considerado baixo, mas para as pessoas que estiveram ligadas à luta de Chico Mendes e que foram suas parceiras em inúmeras ações, pode ser considerado uma conquista grande.

Desde quando começou sua actuação política e ambiental no interior do Acre, ainda nos anos 70 – o líder sindicalista tinha clara a importância da criação das reservas extrativistas, uma tarefa nada fácil, mas considerada a única via para garantir a sobrevivência e uma vida digna para centenas de seringueiros que, historicamente, eram (e ainda são) explorados pela força latifundiária na Amazónia brasileira. Seus ideais voltados para os povos das florestas foram, aos poucos, se consolidando até que fundasse um sindicato trabalhista em Xapuri, no Acre, e organizasse suas frente de acções na Amazónia.

Toda essa luta fez com que Chico Mendes se tornasse um nome de referência ambiental não só no Brasil, como também no exterior, sendo várias vezes reverenciado por suas ações pelo Greenpeace (que acaba de assinar um convénio como CNS para a criação de mais Resex), pela Organização das Nações Unidas, entre outros.

Numa breve avaliação desses 15 anos sem Chico Mendes, Maria Araújo de Aquino afirma que o movimento ambiental e florestal teve inúmeros avanços. Cita a quantidade de reservas extrativistas que existem hoje no Brasil e fala ainda da amplitude que foi dada ao legado deixado pelo líder dos povos das florestas.

"Além das reservas florestais, hoje temos reservas marinhas, reservas extrativistas de flores... Essa proposta foi uma das ideias dele que avançou bastante. Não só na modalidade reserva extrativista especificamente, mas em todo o processo de discussão, de debate, de uma política diferenciada para uma reforma agrária na Amazónia. Hoje isso não é mais uma discussão isolada dos extrativistas só do Acre. Está em todo o Brasil", afirmou.

Um outro ponto que dá continuidade à luta iniciada por Mendes é o fato de as actividades saírem do Estado do Acre, avançarem por toda a Amazónia e, em seguida, para todo o Brasil. "Ele era uma pessoa de uma visão muito grande. Uma pessoa que conseguiu essa visão amazónica de desenvolvimento. E já tinha essa visão naquela época, de que era preciso sair do Acre, sair da Amazónia, sair até do Brasil para poder dar visibilidade a essa ideia", comenta Maria.

Por fim, acrescenta, fica a lembrança do amigo e defensor ambiental: um grande sonhador, mas que sonhava com uma realidade que estava bem próxima. Sonhava com uma coisa que ele estava se propondo a construir.

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