É o crescimento tolerado do desemprego que surge como a variável decisiva para percebermos a actual situação e os efeitos que o governo espera alcançar com sua política pró-cíclica. De facto, o aumento do desemprego, aliado ao congelamento dos salários da função pública justificado pela necessidade de conter a despesa corrente, contribui poderosamente para que os salários reais cresçam abaixo do incremento previsto da produtividade, fazendo com que a recuperação da rentabilidade das empresas se faça à custa da compressão dos custos salariais e através do aumento esperado da sua competitividade externa. Não é pois de estranhar que o governo deposite todas as esperanças numa recuperação económica tirada pelas exportações, pois sabe que as opções por si seguidas minam o crescimento do mercado interno. A lógica de uma política económica obcecada pelo défice encontra-se aqui. No fundo, trata-se de fazer com que o ajustamento recessivo se faça por via da contracção dos custos salariais, destinada a manter-se nos próximos anos. A manutenção de uma taxa de desemprego elevada instrumental para alcançar tal propósito.
Basta olhar para o crescimento das receitas fiscais para se concluir que não há o mínimo de ambição a este respeito: em 2004 o Estado espera encaixar mais 3,5% em impostos, exactamente o mesmo valor que o crescimento nominal da economia. Ou seja, não haverá quaisquer ganhos de eficiência fiscal resultantes de um aumento da base tributária. Não há prova mais eloquente do que esta: os impostos aumentam pelo simples efeito indutor do crescimento económico, numa altura em que estão por cobrar 13 mil milhões de euros em dívidas.
Mas este OE comete uma segunda perversidade, ao agravar a carga fiscal precisamente sobre os cumpridores, os trabalhadores dependentes. Os escalões do IRS são actualizados a 2%, tendo por base um referencial de inflação considerado irrealista, fazendo-se a actualização dos escalões de forma indiferenciada, o que encerra em si mais uma desigualdade. Aplicar a mesma taxa de actualização a todos os escalões de rendimento corresponde, na prática, a um desagravamento dos rendimentos mais elevados, uma vez que o decréscimo do salário real daqui resultante é maior nos salários mais baixos. Adicionalmente não são actualizados à inflação média esperada os tectos máximos dos benefícios fiscais a deduzir, o que, na prática, significa um aumento da carga fiscal.
Lisboa, 27 de Novembro de 2003,
Grupo de Economia e Finanças da ATTAC
Texto completo na página da ATTAC.
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