quinta-feira, dezembro 18, 2003

As cheias no Amazonas

Não sei porquê, mas peixes que comem frutos das árvores é uma coisa brutalmente poética; quase que me dá vontade de chorar....
A Natureza é realmente assombrosa: num ecossistema em que a restante bicheza é avessa às águas abundantes, os peixes tratam de fazer a dispersão das sementes (trabalho normalmente executado pela passarada, macacada e demais habitantes do estratos superiores das florestas), claro está, recebendo o seu quinhão de alimento em troca. Os peixes reúnem-se (às mão cheias) debaixo da copa das árvores que têm frutos maduros e esperam.. É no mínimo curioso ver peixes debaixo de uma árvore, numa ânsia mal contida à espera que as sementes caiam...
Será que se o mar secasse os Pássaros se encarregariam da dispersão das algas e dos corais?


Fica aqui uma pequena descrição ecológica das cheias na Amazónia:

A época das cheias é a altura do ano em que a água chega a 12 metros de altura, abarcando florestas e clareiras, unindo braços de rio numa única massa de água. O aumento do nível das águas torna as copas das árvores acessíveis de barco. Muitas espécies de árvores dependem da cheia cíclica para dispersar as suas sementes, através dos animais ou simplesmente através da deriva das sementes nas águas da cheia. É um tempo de abundância para a maioria dos herbívoros que podem alimentar-se das frutas e das sementes que caem das árvores. A Amazónia é o habitat da esmagadora maioria dos peixes dependentes de frutos e sementes.


O nosso amigo, o Tambaqui (Colossoma macroponum)

Um dos peixes comedores de sementes mais famosos é o Tambaqui, um peixe grande que esmaga as sementes caídas na água com as suas mandíbulas poderosas. O Tambaqui espera debaixo das árvores que estão a deixar cair sementes, congregando-se preferencialmente debaixo da sua árvore favorita: a seringa barriguda (Hevea spruceana), que está espalhada por toda a floresta de cheias. O homem tira partido da ecologia do tambaqui e de outros peixes com os mesmo hábitos alimentares, emitando o barulho de uma semente a cair (com uma semente agarrada a um fio). Quando o infeliz peixe é atraído, o pescador lança o seu arpão. No folclore do amazonas, diz-se que o Jaguar caça estes peixes comedores de sementes imitando as sementes que caem na água com a sua cauda.


A dentuça do bicho, especializada para esmagar sementes.

A época das cheias é um tempo difícil para os predadores. O aumento brutal da área inundada aumenta exponencialmente os refúgios possíveis para as presas, tornando a sua captura muito mais árdua. Por isso, muitos predadores vivem das reservas acumuladas durante a época seca. Uma estratégia mais eficaz é a da bicheza omnívora, que na época das chuvas muda a sua dieta e passa a consumir frutos e sementes.


Rãzinha (Physalaemus nanus) - clique na imagem para ouvir o seu apelo sexual.

A história do Tambaqui é uma extraordinária história de co-evolução deste peixe com as árvores e arbustos da Amazónia: a ictiocoria (dispersão de sementes por peixes) pode ter tido um importante papel na evolução das plantas com semente.

PS - acho que fui apanhado pelo tradicional espírito de natal; a programação normal retoma dentro de momentos... a rãzinha não tem nada a ver, mas também gosta de água (desova em espuma nas poças que se formam após chuvas fortes) e ouvir o bicho tem piada.

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