quinta-feira, novembro 20, 2003

Saber e desenvolvimento

Vivemos na época dos conhecimentos. Nunca na História da humanidade houve um volume tão grande de conhecimentos como aquele que existe nas sociedades actuais. Um volume que continua a aumentar. Aceite a constatação, era de esperar que o Saber ocupasse um lugar de elevada projecção na nossa sociedade. Mas é isso, realmente, o que se verifica? Nas sociedades anteriores, quer seja na Rural como na Industrial, o desenvolvimento/progresso assentava sobre conhecimentos relevantes. E o Saber era devidamente apreciado. Em Veneza, na primeira fase da Renascença, por exemplo, proibiu-se a saída da cidade aos artesãos que manufacturavam espelhos, por serem detentores de valiosos conhecimentos, de alta importância para o crescimento económico da cidade. Nos anos 50, 60 e na primeira metade dos anos 70 ainda se levantava o chapéu à passagem do professor de “instrução primária” da aldeia e à do professor do Ensino Secundário, nas pequenas cidades, dignos e respeitados representantes do Saber.

O problema que enfrentamos hoje é que, alto grau de escolaridade não significa, automaticamente, bons e relevantes conhecimentos, uma mais valia necessária ao desenvolvimento de qualquer Nação. E já veremos porquê. Logo após o 25 de Abril, assistiu-se a uma verdadeira “explosão” social, sobretudo no sector socio-económico do País. O nível de vida aumentou consideravelmente e a igualdade de direitos facilitou, pelo menos na aparência, a mobilidade entre as diferentes camadas sociais. É óbvio que esse fictício bem-estar económico não podia durar, pois repousava sobre fracos e quiméricos alicerces. Os cofres do Estado esvaziaram-se e as crises e Governos sucederam-se uns aos outros, numa procissão triste e interminável. Quanto à mobilidade entre as camadas sociais, indispensável a qualquer democracia, deixa ainda hoje muito a desejar. Para cúmulo, cometeu-se um erro crucial: descurou-se o Ensino. Não é menosprezando o Saber que se desenvolve uma Nação. Construíram-se telhados sobre paredes podres. E quando os telhados ameaçaram ruir, remendaram-se as paredes com cimento barato e de qualidade ordinária. Até agora, não houve um só Ministro da Educação que tivesse a inteligência e o bom senso suficientes para organizar o sistema educativo a partir de uma visão global do Ensino, do infantário à universidade. A nossa História nada ensinou aos políticos que têm governado o País depois do 25 de Abril. Um olhar, por mais distraído que fosse, à época dos Descobrimentos, tinha-lhes indicado os erros a evitar e, até certo ponto, o caminho a seguir.

A entrada de Portugal para a União Europeia trouxe, e continua a trazer, benefícios económicos consideráveis. Mas não haverá razões para duvidar do bom emprego de uma boa parte desse capital? A Economia de Mercado tem dominado a orientação dos investimentos, ocupando o centro das preocupações dos governantes e relegando para segundo plano a aposta no capital humano. É verdade que, nos últimos dez anos, construíram-se muitas creches, jardins de infância, escolas, e que o número de universidades tem aumentado de maneira explosiva, mas também não é menos verdade que as reformas do Ensino têm sido mal pensadas, insuficientes e com pouco ou nenhum resultado prático visível. Será tão difícil compreender que a produção em massa de licenciados não resolve os problemas de desenvolvimento, seja ele económico, social ou cultural do País? A ambição devia ter sido, mas não foi, a de dar a todo o cidadão, em cada etapa do percurso de aprendizagem, as habilidades, o saber e as competências para o tornar capaz de avançar, confiante e resoluto, para a etapa seguinte. Haverá quem duvide que o Saber e o desenvolvimento andam de mãos dadas? Se há países com necessidade urgente de um projecto educacional com cabeça, tronco e membros, Portugal é um deles. O certo é que, por enquanto, os membros andam à procura do tronco e o tronco da cabeça.

Ainda estamos a tempo… Todavia, tendo em conta a notória falta de coragem política que reina no nosso País, vamos talvez ter que esperar muito pelo remédio para a cura dos males que afligem a sociedade portuguesa. A actual política de contenção imposta pelo Pacto de Estabilidade, que parece estar a obcecar o Governo, e o corte orçamental de 4,2% para o Ministério da Educação, não auguram nada de bom neste sentido.

Asdrúbal Vieira
11/19/03

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