As razões das manifestações estudantis parece assentarem em três pilares: propinas, prescrições e acção social escolar.
Não lhes nego o direito de discordarem do que foi legalmente estabelecido, mas também é verdade que eles não são os únicos actores neste contexto.
Vejamos o caso das propinas. É por demais sabido que este Governo não tem o dinheiro necessário para investir não só na Educação mas também noutros sectores fundamentais como a Saúde e a Assistência. Tem seguido uma política económica que muitos, e eu entre eles, condenam por errada, fixada na obsessão de atingir um déficit das contas públicas não sustentado nem sustentável.
Não sustentado porque as despesas não diminuíram nem as receitas aumentaram e a diferença entre elas vai ser colmatada pela alienação de património e operações de tesouraria.
Não sustentável pois, salvo uma alteração positiva na conjuntura económica europeia, para o próximo ano o défice irá ultrapassar o máximo previsto na Pacto de Estabilidade,
segundo os analistas económicos da U.E..
A situação criada com esta política económica acarreta várias e muitas dificuldades para a generalidade dos cidadãos, dificuldades que o próprio Governo publicamente reconhece.
Comparada com tantas outras situações, o aumento das propinas no ensino superior não me parece um sacrifício proporcional à onda de protestos que tem vindo a causar. E, curiosamente, ainda não vi nem ouvi nenhuma associação ou agrupamento de pais manifestar-se a este respeito, eles que são afinal os verdadeiramente prejudicados!
Se o Estado cumprir o que promete e nenhuma família, por falta de recursos, veja os seus filhos impedidos de seguir um curso superior, então não penso que a imposição das propinas tenha o efeito que lhe assacam alguns que gastarão em proveito próprio muito mais do que terão de pagar ao Estado.
Se a promessa não for cumprida, e não seria a primeira vez que isso aconteceria, então as manifestações e protestos terão toda a razão para continuar e aumentar, mas continuo a não ver a utilidade dos cadeados...
Quanto ao segundo pilar que sustenta a contestação estudantil, as prescrições, também me parece que há algo a comentar. A introdução das prescrições, ou melhor, a implementação do que já fora legislado sobre este assunto em 1998 parece não agradar quer aos alunos quer às escolas.
No primeiro caso porque iria afectar os “estudantes profissionais”, os “dux” que pela posição hierárquica que ocupam nas academias têm grande poder de influência nas assembleias académicas. Há 4 anos (não sei se continua) o “Dux Veteranorum” da Academia do Porto frequentava há 27 anos o curso de Engenharia Civil!
Às escolas, por seu lado, não interessa a existência de medidas legislativas que possam acarretar a diminuição da frequência, já que o financiamento do Estado tem esse parâmetro em conta. Aliás sucedia ou sucede o mesmo com as escandalosas médias de admissão que se verificavam nalgumas escolas.
É da mais elementar lógica que os alunos provenientes de famílias de fracos recursos económicos não se podem dar ao luxo de perder anos consecutivos, antes pelo contrário é do seu interesse entrar o mais cedo possível no mercado do trabalho.
Só os extractos mais privilegiados da Sociedade podem aceitar e conviver com esse facto.
Se o financiamento do ensino superior, em todas as suas vertentes, ficasse a cargo integral das famílias dos alunos, não me repugnaria aceitar que muitos preferissem completar um curso à média de uma cadeira por ano, respaldados no apoio familiar. Mas sendo nós, os contribuintes, a pagar a fatia mais grossa do custo de uma licenciatura, já incluindo as propinas, a prescrição parece-me justa e moral, se prescrita com os cuidados e excepções que merece.
A terceira base da contestação, segundo julgo, prende-se com a acção social escolar. A política social deste Governo rege-se por critérios economicistas que mais uma vez se baseiam na obsessão do défice. Mas, para além disto, a tendência neo-liberal que atravessa o Governo, se não de forma vertical pelo menos transversalmente, não se compadece muito com grandes investimentos na esfera do social.
O “welfare state” passou a ser uma recordação histórica...
Sendo assim, o descontentamento académico está incluído no descontentamento de todos os que vêem uma vida de trabalho ser recompensada com uma reforma de miséria, dos que esperam anos por uma intervenção cirúrgica, dos que passam horas à porta de um Centro de Saúde, etc. etc.
Os estudantes, neste aspecto, até têm vantagens acrescidas pelo poder reivindicativo que outras classes não possuem ou não sabem utilizar.
Prova disto são as recentes promessas da nova ministra do Ensino Superior ao anunciar um reforço de verbas para a Acção Social Escolar e a criação de mais residências universitárias.
Serão estas resoluções apenas fruto das greves e cadeados?
Se assim for, muito mal continua a caminhar este país!...
Martins dos Santos
Lisboa, 15 de Novembro de 2003
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