Homenagem a 100nada, que com a sua ausência (esperemos que temporária) deixa a blogosfera mais triste
O sentido da vida de uma Lagosta...
Era uma vez uma lagosta que tinha nascido num mar. Era um mar pequeno, mas era uma lagosta ainda mais pequena, portanto parecia-lhe ser um mar muito grande. Vivia com outras lagostas, umas mais velhas, umas ainda pequenas, e nenhuma tinha nome como as pessoas, porque as lagostas conhecem-se não por nomes sem sentido, mas pelas histórias das suas antenas. Portanto havia a Lagosta de Antenas de Vários Picos, a Lagosta de Antenas de Poucos Picos, a Lagosta de Antenas Com Um Pico Partido, a Lagosta de Antenas com Picos Simétricos, a Lagosta de Antenas de Picos Aguçados e por aí fora. A lagosta pequena ainda não tinha nome, porque ainda não tinha histórias nos picos das antenas.
O mar onde vivia a lagosta pequena e as outras lagostas tinha água um bocado turva, e um fundo de areia e pedrinhas. Lá em cima, acima da água, brilhava um sol comprido e muito branco, que todos os dias se apagava e se acendia à mesma hora. Apagava-se de repente, mas quando se acendia, piscava sempre duas ou três vezes. E no fim do mar, que acabava de repente, viam-se do outro lado lagostas iguais às daquele mar, que apareciam sempre que alguma lagosta se aproximava. A lagosta pequena gostava muito de ir brincar para o fim do mar, porque tinha uma amiga do outro lado que brincava com ela da mesma maneira. Se ela dava cambalhotas, a amiga também dava. Se se deitava no fundo, a amiga imitava ao mesmo tempo e se colava as antenas no fim do mar, a amiga também colava as antenas às dela, e quase que parecia que estavam mesmo juntas se não fosse o fim do mar a separá-las.
A única coisa que o fim do mar tinha e que era um bocado esquisito era um desenho. Com mais desenhos ao lado ainda mais estranhos. Porque o primeiro desenho, as lagostas percebiam, era o retrato de um tetravô famoso, a maior lagosta que ali tinha vivido, a Lagosta de Antenas com Mais Picos de Sempre.
Tinha vivido durante muito tempo naquele mar e depois tinha seguido o destino de todas as lagostas. Um dia tinha desaparecido. Era esse o destino das lagostas, elas sabiam. Viviam ali e um dia iam para 'outro lado'. O lado de lá do fim do mar. Não era o lado onde estavam as lagostas iguais, porque esse lado só tinha lagostas iguais às que viviam naquele mar, era outro lado ainda, um lado do qual não se sabia absolutamente nada. Nunca nenhuma lagosta tinha regressado para contar a história.
Os desenhos ao lado do retrato pareciam bocados de antenas das lagostas. Elas suspeitavam que eram também retratos de outras lagostas, mas como não eram tão famosas como a Lagosta de Antenas com Mais Picos de Sempre, só ali estavam os retratos das antenas dessas lagostas. Os desenhos das antenas eram diferentes, mas alguns repetiam-se. E as lagostas mais velhas desenhavam esses retratos na areia do fundo do mar e discutiam o sentido daqueles desenhos, talvez fossem uma explicação para o enigma do desaparecimento das lagostas, talvez indicassem que lado era aquele para onde iam depois as lagostas, que é como quem diz, o sentido da vida. Se as lagostas escrevessem, obras inteiras seriam dedicadas àquele tema, mas a areia do fundo daquele mar tinha pouco espaço e além disso as lagostas não sabiam escrever. Portanto imitavam na areia o desenho das antenas no fim do mar e ficavam a olhar:
!AUS A AHLOCSE !SACSERF SATSOGAL SOMET.
100nada, a 21 de Julho de 2003
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