PETIÇÃO POR NOVO REFERENDO PARA A DESPENALIZAÇÃO DO ABORTO
São 75 mil as assinaturas necessárias para requerer um novo referendo que leve à despenalização do aborto. A petição necessária será lançada brevemente por um movimento que reúne, entre outros, grupos católicos progressistas e movimentos sociais. A questão a colocar será: "Quer ou não que o aborto continue a ser considerado um crime?"
A Opus Gay solidariza-se com este movimento e coloca-se claramente do lado dos que defendem a despenalização. Eis as nossas razões:
Parentalidades e aborto - uma questão de cuidado e de escolha responsável
As ciências sociais e humanas demonstraram já que são os conceitos sociais de masculinidade e de feminilidade que permitem ler os sinais anatómico-fisiológicos que interpretamos como sinais de que estamos perante um macho ou uma fêmea da espécie humana; ou seja, o conceito social de género antecede o de sexo, revelando toda a ideologia que pode estar contida na biologia, ao contrário do que sempre se pensou.
Os géneros socialmente criados pela nossa civilização são dominantemente heterogéneros, ou seja, são definidos na reciprocidade (assimétrica) duma relação heterossexual entre eles. Traduzindo, um homem só o chega a ser verdadeiramente quando pratica a heterossexualidade, de preferência sob a forma de penetração sexual duma mulher (masculinidade que é conquistada independentemente do prazer da mulher, note-se); uma mulher só o chega a ser verdadeiramente quando aprende as estratégias de sedução/resistência face a um homem. Ser homem é ter actividade sexual com uma mulher; ser mulher é gerir a sua atractividade sexual face a um homem, sem necessariamente ter de praticar, note-se. Daí os diferentes padrões corporais, emocionais e cognitivos que se esperam dum homem "realmente" masculino e duma mulher "realmente" feminina. Está assim criada uma "correspondência natural" sexo/género/orientação sexual/funções sociais.
Hoje sabemos que existem homens femininos heterosexuais, homens masculinos gays, mulheres masculinas heterosexuais, etc. No entanto, apesar de se caminhar para a possível troca de padrões em algumas circunstâncias, não caminhamos ainda para uma sociedade igualitária, sem género (onde seja indiferente, no que a direitos e deveres diz respeito, ser identificado como macho ou fêmea).
A necessidade de manter uma diferença de género, de separar claramente o masculino do feminino, é, sempre foi, não uma mera necessidade de diferenciar mas sim uma vontade de hierarquizar, de manter a assimetria, mantendo simultaneamente uma falsa noção de oposição/complementaridade (que visa somente impedir a troca de lugares). Obviamente que não se trata das mulheres quererem ser como os homens ou dos homens quererem ser como as mulheres. Trata-se de ambos, e outros que virão, poderem ser algo totalmente diferente e com muito mais potencialidades.
Na nossa sociedade, também os direitos/deveres sexuais e reprodutivos de homens e mulheres nunca foram os mesmos. Duma forma demasiado fácil e determinista sempre se quis ler o facto biológico de serem as mulheres a engravidar para, sem mais interrogações, lhes atribuir especiais funções de cuidado face aos filhos, funções essas a que chamamos maternidade. Estas funções seriam exclusivamente femininas e seriam o oposto/complemento das funções de cuidado apelidadas de paternidade.
Também aqui as coisas se baralham quando vemos homens a assumir funções tradicionalmente de maternidade e mulheres a assumir funções tradicionalmente de paternidade, e independentemente de serem homo ou heterosexuais. Estas realidades são sinal de que também estas funções parentais, maternidade e paternidade, devem deixar de ser vistas como opostas/complementares e tornar-se múltiplas potencialidades de funções de cuidado e de escolha responsável. Independentemente de nos estarmos a referir a homo ou heteroparentalidade.
O Estado, patriarcal e machista, ao não permitir uma maternidade responsavelmente escolhida, tenta simplesmente unir apressada e deterministicamente três aspectos na vida duma mulher: gerar, parir, criar. E tem ainda a hipocrisia de o fazer quando se sabe que hoje em dia as mulheres tendem a pagar cada vez mais sozinhas o preço de criar um filho, mesmo que tenham um companheiro.
Assim, são as mulheres (e não os homens) que são impedidas de ter as mesmas performances de carreira do que os homens quando há que cuidar dos filhos. E são as mulheres (e não os homens) que, além de ganharem menos em empregos onde não podem concorrer oferecendo o mesmo tempo disponível que os homens, são também as mulheres, que vêem acrescentadas ainda mais horas de trabalho doméstico não pago ao seu dia-a-dia, ao terem de cuidar de um filho. E são ainda as mulheres (e não os homens) que deixam de ter tempo para a vida pública e política. E são também as mulheres (e não os homens) que mais dificuldade têm em refazer uma vida conjugal quando têm filhos.
Só uma parentalidade escolhida e responsável permitirá um dia que homens e mulheres possam viver, na mesma proporção, trabalho e família, vida privada e vida pública. Nem os homens têm de continuar a cair na armadilha de trabalhar duas e três vezes mais horas do que antigamente para manterem o privilégio de serem os provedores de recursos financeiros à família, nem as mulheres a cair na fatalidade de arcar com todo o peso do trabalho doméstico não remunerado. Todas as estruturas sociais, empresas inclusive, devem pagar os custos da reprodução da espécie, não única e individualmente cada mulher.
Por todas estas razões, e também porque não têm que ser reféns das capacidades reprodutivas do seu corpo, é às mulheres, a cada mulher, que deve ser dada a possibilidade da escolha: quero ou não ser mãe, duma forma responsável e ponderada?
Anabela Rocha, Vice-Presidente da Opus Gay
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