quinta-feira, setembro 04, 2003

Já se esqueceram?
3 de Setembro de 2003
Post traduzido por PP do blog de uma Iraquiana.....


11 de Setembro foi um dia trágico; não porque morreram 3000 Americanos mas porque morreram 3000 seres humanos.

Recebo constantemente e-mails a lembrar-me da tragédia ocorrida a 11 de Setembro, a dizer-me que foram os árabes que atraíram a ira recente dos EUA. Claro que originalmente o culpado era o Afeganistão (que nem sequer são árabes) e o Iraque não teve nada a ver com o 11 de Setembro.

Sou constantemente lembrada dos 3000 Americanos que morreram nesse dia.... e para esquecer os 8000 Iraquianos inúteis que sucumbiram aos mísseis, tanques e armas Americanas.

As pessoas espantam-se com o facto de não estarmos nas ruas a lançar rosas e jasmim sobre os monstruosos tanques cor de caqui; admiram-se por não coroarmos com louros os horríveis capacetes das tropas ocupantes; perguntam-se porque é que choramos os nossos mortos em vez de estar agradecidos por poder oferecê-los em sacrifício aos Deuses da Democracia e da Liberdade; questionam-se sobre a razão da nossa amargura....

Mas eu não esqueci.....

Lembro-me de 13 de Fevereiro de 1991. Lembro-me dos mísseis que caíram no abrigo de Al-Amryiyah – um abrigo civil contra as bombas numa zona residencial densamente povoada de Bagdad. Bombas tão sofisticadas, que a primeira penetrou até ao coração do abrigo e a segunda explodiu lá dentro. O abrigo estava cheio de mulheres e crianças – rapazes com mais de 15 anos não podiam entrar. Lembro-me de ver imagens de pessoas horrorizadas a escalar a vedação que cercava o abrigo, chorando, gritando, implorando para saber o que tinha acontecido à sua filha, à sua mãe, ao seu filho, à sua família que tinha procurado a protecção dentro das paredes do abrigo.

Lembro-me de ver arrastar corpos tão carbonizados que era impossível dizer que eram humanos. Lembro-me de ver pessoas ansiosas, correndo de cadáver em cadáver para tentar reconhecer os seus ente – queridos.... Lembro-me de ver os trabalhadores que limpavam o abrigo a desmaiar com as cenas insuportáveis que se lhes deparavam dentro das paredes. Lembro-me de toda a área estar empestada com o odor de carne queimada durante semanas e semanas a fio depois do bombardeamento.

Lembro-me de visitar o abrigo, anos mais tarde, para prestar a minha homenagem ás 400 pessoas que sofreram uma morte atroz durante a madrugada e ver as linhas fantasmagóricas de contornos humanos gravados nas paredes e no tecto.

Lembro-me de um amigo da minha família que perdeu a sua mulher, a sua filha de 5 anos, o seu filho de 2 anos e a sua cabeça (tendo enlouquecido) a 13 de Fevereiro.

Lembro-me do dia em que o Pentágono, depois de várias desculpas disse finalmente que tinha sido um erro.

Lembro-me de 13 anos de sanções, apoiadas firmemente pelos EUA e pela Inglaterra, em nome das armas de destruição em massa que ainda ninguém encontrou. Sanções tão rígidas, que tínhamos as necessidades básicas, como os cuidados médicos, em lista de espera durante meses e meses, até que eram finalmente recusados. Lembro-me de produtos químicos como o cloro, necessário para a purificação da água, serem inspeccionados e atrasados à custa de milhões de pessoas.

Lembro-me de ter de pedir a cooperantes e activistas para “por favor tragam um livro” porque as editoras se recusavam a vender livros científicos e revistas no Iraque. Lembro-me de “partilhar” livros com outros estudantes numa tentativa de fazer render ao máximo os nossos limitadíssimos recursos.

Lembro-me de pequenos corpos abandonados em enormes camas de hospital – morrendo de fome e doença; doenças que poderiam facilmente ser curadas com medicamentos ditos “proibidos”. Lembro-me dos pais já sem forças, caras cansadas, perscrutando ansiosamente os olhos do médico, à espera de um milagre.

Lembro-me do Urânio empobrecido. Quantos é que ouviram falar do Urânio empobrecido? Estas são palavras muito familiares para o povo Iraquiano. O Urânio empobrecido usado no armamento do exército Americano em 1991 (e muito possivelmente também agora) resultou na deterioração ambiental e num aumento astronómico do número de cancros no Iraque. Lembro-me de ver bebés nascer com um só olho, três pernas ou sem cara – um resultado directo do envenenamento por Urânio empobrecido.

Lembro-me de dezenas de mortes na “zona de exclusa aérea”, bombardeados por Americanos e Ingleses que diziam ”proteger” o norte e o sul do Iraque. Lembro-me da mãe, que vivia nos subúrbios de Mossul, que perdeu o marido e cinco filhos quando um avião americano bombardeou o pai com os seus filhos no meio de um pacífico rebanho de ovelhas.

E querem nos fazer crer que tudo isto foi para o bem das pessoas.

“Esqueceram-se do que sintaram naquele dia
ao ver a vossa casa incendiada
e os vosso familiares explodirem em mil pedaços?”


Não......não nos esquecemos – os tanques ainda aqui estão para nos avivar a memória.

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