segunda-feira, setembro 29, 2003

A Filosofia da Kantilena
George Monbiot, traduzido por aqui

Se houvesse um Prêmio Nobel para a Hipocrisia, seria conferido este ano ao negociador comercial da União Européia, Pascal Lamy. Uma semana atrás, no suplemento de comércio do the Guardian, ele argumentou que a Organização Mundial de Comércio "nos ajuda a sair de um mundo hobbesiano sem lei, para um mundo mais kantiano - talvez não de paz perpétua, mas pelo menos onde as relações de comércio estão sujeitas ao império da lei" . No domingo, ao tratar das negociações comerciais como se fossem, nas palavras de Hobbes "uma guerra de todos os homens contra todos os homens", Lamy arruinou as negociações, e muito provavelmente destruiu a organização como conseqüência. Se foi o caso, o resultado poderia ser um conflito no qual, como Hobbes observou, "força e fraude são... as duas virtudes cardeais". As relações entre os países então regrediriam ao estado de natureza que o filósofo temia, onde o comportamento repugnante e brutal dos poderosos assegura que as vidas dos pobres sejam breves.

Ele adotou essa posição porque ele considera seu dever público a defesa das corporações e fazendeiros industriais da União Européia contra todos os demais, sejam eles cidadãos da Europa ou gente de outras nações. Ele imaginou que, de acordo com as leis da natureza que até agora governaram a Organização Mundial do Comércio, o lado mais fraco seria forçado a capitular, e garantiria às corporações o pouco que ainda não lhe havia sido roubado. Ele se aferrou a isso mesmo quando ficou claro que as nações pobres estavam pela primeira vez preparadas a mobilizar - como requer o estado de natureza - uma resposta coletiva à agressão.


Sua solidariedade é fortalecedora em si mesma. Em Cancún as nações fracas resistiram aos negociadores mais poderosos da Terra e não foram derrotadas. A lição que irão levar para casa é que, se isto é possível, quase tudo o é. De repente, as propostas por justiça global que dependiam de solidariedade para sua implementação podem desabrochar. Embora a OMC possa ter sido enterrada, essas nações ainda poderão, se utilizarem seu poder coletivo de forma inteligente, encontrar um meio de negociar juntas. Elas poderão até desenterrá-la como o organismo democrático que sempre se imaginou que fosse.

É melhor que o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional protejam as suas costas agora. O Conselho de Segurança da ONU vai achar os seus poderes anômalos ainda mais difíceis de sustentar. As nações pobres, se se mantiverem bem unidas, podem começar a exercer uma ameaça coletiva aos ricos. Para isso, elas necessitam de um poder, e, sob a forma de suas dívidas, eles o possuem. Ao ameaçar, coletivamente, dar o calote, elas podem começar a exercer o tipo de poder que só os ricos exerceram até agora, exigindo concessões em troca da contenção da força.

E assim, Pascal Lamy, o "nosso" negociador, pode ter acidentalmente engendrado um mundo melhor, ao lutar tão encarniçadamente por um pior.

Artigo completo aqui

Sem comentários: