Coisas deste mundo
22, 23 , 24 de Agosto
Três debates no Regueirão dos Anjos 68
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Metro Intendente.Anjos Eléctrico 28 Autocarros 6, 12, 26, 30, 34
SEXTA 22 às 18h: A LUTA DOS INTERMITENTES EM FRANÇA
SABADO 23 às 17h: QUE CULTURA TEMOS.QUE CULTURA QUEREMOS
DOMINGO 24 às 16h: QUE SINDICATOS HÁ. QUE LUTAS PODE HAVER
com Catherine Steigert, Daniel Fatous, Emanuelle Huyndt, João Fiadeiro, Jorge Silva Melo, Pierre Delye, Seixas Santos*, um elemento dos “Précaires Associés de Paris, entre outros (nomeadamente sindicalistas) ainda a confirmar.
UMA EXPLICAÇÃO TALVEZ NECESSÁRIA
1. A vida cultural portuguesa (e o valor dos seus artistas) é medida pela "saída" que coisas feitas e pessoas nascidas e criadas aqui têm além fronteiras.
A participação num colóquio ou num festival numa qualquer cidade da Europa ou uma tradução, por exemplo em francês, vale sempre mais do que um grande romance, um livro de poemas, uma interpretação, uma encenação ou uma coreografia...
Mas não parece haver grande curiosidade de saber como vivem, nesses países de êxito e de vitória, os "pares" dos convidados e traduzidos. Saber o que fazem e o que não fazem, o que pensam, o que os faz mexer como agora, o que discutem às vezes, pelo menos alguns.
2. A vida cultural portuguesa é também medida actualmente pelo volume dos festivais seja do que for (e que podem ter outros nomes...) e, evidentemente, dos investimentos a que obrigam.
Um filme acabado só "existe" se algum festival internacional o aceitar numa secção qualquer...
A "cultura" tem calendário e horário, tem alguns lugares – cativos ou conquistados – mas não mora nas pessoas.
3. De há uns meses para cá, num país que não é longe – e onde acabam por trabalhar às vezes alguns dos poucos que por cá se esmifram a inventar, e inventam, e fazem, e descobrem, e também muitos filhos de emigrantes que pouco regressam à "pátria" dos pais -, na aparentemente acomodada França, que deixou de ser a das vanguardas, com uma língua que já não é "a língua da cultura", tomou forma um movimento que abarca muitos milhares de seres que vivem das artes – artistas uns, técnicos outros e outros ainda as duas coisas ao mesmo tempo.
Foram estes que destruiram este ano os mais famosos festivais – de dança e de teatro sobretudo – sem receio de beliscarem o "prestígio da sua pátria"...
Não servirá mesmo para nada saber quem são essas gentes, de repente activas, o que fazem, o que pensam, o que aceitam e rejeitam, o que querem, o que não querem?
E perceber o que as junta a outras gentes que não fabricam artes mas necessariamente fabricam "vida" e também se manifestam?
E perceber como é que esses muitos milhares de pessoas, até há pouco quietas e provavelmente contentes com o que o Estado lhes tinha dado, se puseram a mexer e a encontrar-se, através do seu estatuto de "intermitente" até há pouco garantido e de repente em perigo, não poderá alargar um pouco as nossas geralmente curtas vistas?
Sobretudo se procurarmos entender o que se vai discutindo ao mesmo tempo e o que directa ou indirectamente "suporta" esse imenso mal-estar?
4. Provavelmente iremos ter à própria concepção de "cultura" que quase todos consideramos "normal" quando as "coisas" vão correndo ou "desejável" quando correm mal e que alguns dos grevistas e combatentes desta hora francesa dividem em "indústria cultural", "cultura de Estado" e um sector sem nome que dizem "heteróclito, cada vez mais largo, de auto-produção, de produção subsidiada, de amadorismo".
Não será este um tema de discussão, mesmo sem estarmos em greve e sem nos passar pela cabeça fazer "perigar" os milhões investidos nos festivais que por cá também enchem de "cultura" as páginas dos jornais que restam?
E como é que estas gentes se puseram a funcionar? Tiveram de sair das suas casas, das suas companhias, dos seus teatros, dos seus bares. Lá isso tiveram...
Como se reuniram? Quem os juntou? Os sindicatos – de várias cores e profissões? As centrais sindicais? Ou criaram para o efeito organizações com outros nomes? Corporativas? Empresariais?
5. Não era bom sabermos destas coisas "poucas" que, precárias ou não, intermitentes ou não, são a vida de tanta gente e existem na vida dum país aqui tão perto e que pertence àquela Europa de que tanto se fala?...
Deve haver quem queira deixar de ser aqueles três sábios e felizes macacos – nossos "bibelots" e nossos avós – um que tapa com as próprias mãos os ouvidos, outro os olhos e outro a boca...
Em pleno Agosto, mês de férias e não-férias, fizemos os possíveis e os não-possíveis para reunir pessoas diferentes que não estão ainda desabituadas de pensar e de falar: uns que tiveram, de uma maneira ou de outra, a experiência de uma "agitação" recente que por cá se desconhece; outros que não passaram por isso mas a quem a cultura de "promoção" e "festival" pelo menos assusta ou faz perigar; outros que conhecem por dentro as virtudes e os vícios das estruturas sindicais (ou outras) e que combatem pelos direitos dos que não são patrões, a não ser de si próprios.
Lisboa, 4 de Agosto de 2003
Abril em Maio
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