terça-feira, julho 29, 2003

Uma Enciclopédia de Invenções Sociais

O grande obstáculo que o FSP enfrenta, como já se viu, é a resistência à mudança, à inovação. E devo dizer que desse pecado sofrem todos, os que estiveram dentro e os que se quedaram fora. Aliás, o FSP só foi deturpado por muitos porque não houve “material” de dentro que se impusesse. Em boa verdade, muito do que desejávamos que tivesse acontecido não aconteceu. Tudo bem, foi o primeiro, e sem dúvida será possível melhorar consideravelmente os seguintes.

Na minha humilde opinião, o FSP enfermou de duas faltas maiores (as tentativas de domínio dos partidos foram absolutamente patéticas, e parece-me sobretudo bizarro que se continue a debater qual deles teve mais pontos numa guerra em que nenhum pontuou, pelo que passo a ignorá-los). Uma falta foi sem dúvida não ter abrangido um maior número de associações, cobrindo uma maior área geográfica e um maior leque de interesses; a outra falta foi justamente aquilo por que nos queremos distinguir - a inovação na alternativa possível. A primeira das faltas irá sendo colmatada, mas a segunda é mais problemática. A verdade é que já se deveriam ter instituído no 1º FSP muitas pequenas práticas que, aliás, foram ensaiadas em plenários nacionais de preparação: a oferta de uma bolsa de dormidas/boleias para quem chegava de fora de Lisboa, a utilização de papel reciclado, o consumo de produtos do comércio justo, etc. Falhou afinal nós levarmos à prática muito daquilo que defendemos: mais ideias e mais prática precisam-se!

Nos anos 50 houve um inglês, de seu nome Clavell Blount, que conseguiu convencer um ministro a levar ao parlamento um debate com o título “Ideias em acção”. Mais tarde escreveria um livro com o mesmo título onde defendia que se deveriam fazer todos os esforços e mais algum para recolher (e atender) ideias e sugestões do cidadão comum. Dizia ele que chegámos a um ponto (anos 50 em Inglaterra) onde só temos duas alternativas: ou acreditamos que o melhor é deixar o nosso destino nas mãos dumas quantas “master minds” que decidirão como deve prosseguir a vida social e industrial do nosso país, ou antes acreditamos que o nosso problema “nacional” pode ser desmantelado em pequenos e manuseáveis problemas que o cidadão comum deve ser incentivado a identificar e resolver com conhecimento de causa. Nos anos setenta um outro caramelo, George Fairweather sugeria que os tradicionais processos revolucionários e protestos não-violentos seriam insuficientes para induzir as transformações sociais que se adivinhavam imprescindíveis. Por essa altura tivemos nós uma revolução semi-tradicional que obteve (afinal) grandes resultados. Mas tenhamos em atenção (1) que o estado onde tinha chegado a sociedade portuguesa não poderia ser mais baixo, e (2) que neste momento já conseguimos assumir que não houve uma verdadeira revolução de mentalidades, e que afinal estamos a sofrer dos mesmos males re-inventados. Aliás, isto lembra-me posturas de muitos jornalistas que participaram no FSP (e que infelizmente se calaram depois) que se clamam mais amordaçados – ainda que por poderes diferentes – que no passado...

Bom, mas falava eu no senhor Fairweather, que já nessa altura sugeria que a solução passaria por um incremento do envolvimento cívico em associações que pudessem debelar problemas antes que estes se transformem em crises: "Experimental social innovation transcends revolution because it creates continous problem-solving social change". E é assim que eu vejo o FSP: uma incubadora da mudança social. O caminho parece-me que terá que ser a tal transformação do mal-estar nacional/mundial nos vários males de que sofre a nação/planeta, e o incentivo à produção individual de ideias que as associações possam levar à prática.

Convido-vos a visitar um sítio na net chamado The Global Ideias Bank. Segundo o site, “uma inovação ou invenção social é um novo e criativo modo de abordar um problema social ou de melhorar a qualidade de vida. Ao contrário das invenções tecnológicas, as invenções sociais são geralmente serviços e não produtos; também ao contrário das invenções tecnológicas, não estão necessariamente associadas a custos financeiros.” Esta Enciclopédia de Invenções Sociais é constituída por contribuições (ideias) doadas pelo cidadão comum. Este pormenor é importante se atendermos a que as invenções sociais que mais pesam sobre a nossa vida foram “inventadas” fora do meio em que depois são aplicadas...

As ideias contidas no site são muitas, convido-vos a ir espreitá-las e regressar aqui com a que acharem mais interessante. Algumas são bizarras, como a do homem que acha que tem uma mãe tão boa, tão boa, que achou que deveria partilhá-la com aqueles que não foram abençoados com a mãe ideal (leiloou “um dia de conversa na net com a mãe”, e pelos vistos os filhos carentes eram mais que as mães...). Mas há outras que podem ser levadas a sério - de facto a maioria são experiências testadas localmente* -, como a de constituir um bairro em acções, incentivando os moradores (donos das acções) a melhorar a respectiva qualidade de vida. E que tal soa a ideia de empréstimos que só podem ser gastos no pequeno comércio? Autocarros urbanos com suporte para transporte de bicicletas? Ou a recolha de telemóveis em segunda mão, os quais são oferecidos a vítimas de violência doméstica (o telefone é re-programado para aceder directamente a associações de apoio à vítima, e as chamadas são oferecidas pelo gigante telefónico do sítio). Etc. São ideias que podem mudar os mundos.

mpf

Bibliografia:
Blount, C. 1962 Ideas Into Action. Clair Press, Londres
Fairweather, G. 1972 'Social Change: the Challenge to Survival. General Learning Press, New Jersey
Conger, S. 1974 Social Inventions. Information Canada, Ottawa, Canada

*”Mobility” é uma organização suiça de partilha de carros que inclui cerca de 40.000 membros e 1.500 veículos – aparentemente, na Suiça não é necessário que cada cidadão possua o seu próprio automóvel. Aparentemente, muitos cidadãos suíços optam por partilhar carros, seguros, manutenção... Também por isso eles são ricos e respiram bons ares...

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