sexta-feira, julho 18, 2003

QUESTÕES LGBT E DO FORUM SOCIAL PORTUGUÊS

O FSP, e sobretudo o post Forum , teve para alguns de nós militantes, vantagens, pois ajudou a clarificar questões, que estavam escamoteadas e de que passo a referir algumas.
Deu para perceber que se rompeu pela primeira vez, um pouco com uma lógica classista da luta social-sindical, que punha as questões do sexo e do género hierarquizadas, sempre inferiorizadas relativamente às outras, por razões de preconceito, ou homofobia que também existem à esquerda, ou seja, sempre na perspectiva patronal heterossexista. A Intersindical, e alguns sindicalistas começaram a perceber isso, o que foi, e é positivo !

Deu para perceber que já não podemos ir pelo mesmo caminho, e que temos rapidamente de mudar de rumo, passarmos a centrarmos muito mais nas declarações do Forum Mundial , e muito menos na de Coimbra.
Deu para perceber que o proximo Forum Social Português, tem de se ir fazendo ao longo do ano, dinamizando inumeras iniciativas, outros tantos foruns locais, muito mais como um movimento do que um evento datado, mas sobretudo, despartidarizando, definitivamente, os acontecimentos e alargando a sua credibilidade e a sua base de apoio social.
Deu para perceber que não podemos continuar colados à imagem partidarizada que deixamos transmitir perante a opinião pública, devido à militância, agressiva, ou não, de alguns dos partidos que integraram este último FSP .
Deu para perceber que há muitas associações e grupos de diferentes proveniências que querem trabalhar em rede, ou criar entre si parcerias,
abandonando essa ideia bafienta de não reconhecer o trabalho do parceiro do lado, e que querem trabalhar de modo independente, mas entre si, mesmo que seja só pontualmente .
Deu para perceber que, para grande susto de alguns partidos, o movimento social portugues quer começar a marcar a agenda politica, sem querer conquistar o poder.

Entretanto, para nós gays e lesbicas, para além da visibilidade adquirida, foi igualmente bastante útil esta presença no FSP, porque deu para perceber que há questões que estavam inutilmente, mas propositadamente, disfarçadas, bloqueadas, e acabaram por eclodir.
E, enquanto tais questões não forem revistas, e ultrapassadas, como há muito propomos, a situação não se alterará qualitativamente, mesmo que haja festas com grandes sucessos de "bilheteira", ou nos saia a lotaria, tenhamos o apoio pontual deste, ou daquele importante movimento, partido, ou sindicato, ou tenhamos muitos colóquios, muito concorridos, em que somos sempre os mesmos.

NAO HA UM REPRESENTANTE ÚNICO ....

Assim, deu para perceber que não há um chamado "Movimento gay/lésbico unitário, ou nacional", porque não existe um representante único dos
objectivos e interesses da população homossexual em Portugal. Nunca existiu.
Há quem o tenha querido impôr, em nome de uma pretensa "unidade", que não era mais que unicidade, mas não tem sido possivel, e daqui para o
futuro, ainda o será menos. Serviu sobretudo para nos conotar, e consequentemente, ghetizar, politicamente.
A ultima Marcha do Orgulho permite tirar tambem esta conclusão, a despeito das novas e importantes adesões politico-sociais .
Há, a bem da verdade, grupos de defesa dos direitos dos homossexuais e das lésbicas, que se caracterizam por dinâmicas particulares, algumas vezes, até mesmo conflituantes, que trabalham em diversos sentidos, da forma que melhor podem. Essa diversidade, apesar das dificuldades com que nos confronta, também nos enriquece. É a nossa especificidade. Por isso, todos nos devemos respeitar, e a devemos respeitar.
Eis uma das dificuldades básicas com que se debatem os nossos representantes associativos. Respeitar a diversidade por que tanto eles próprios vêm clamando.

MAS HÁ GOLPAÇAS...

Assim, este FSP deu para perceber, que sempre que há propostas que não sejam oriundos de um determinado sector político-partidário dos gays e lésbicas, entrevistas, declarações de outros activistas que chegam aos jornais ou à televisão, têm sempre uma reacção bastante hostil, tentando
silenciá-las, por parte desses, apesar do risco de todas as generalizações.
Parece que tudo que não passa por plenários, sancionado por foruns lgbt's , ou dos seus/suas militantes partidários, acaba por ter a sua legitimidade posta em causa. Nesse sentido, temos assistido um vale-tudo impressionante, com manipulações grosseiras, tentativas de denegrimento, intrigas, golpismos, esvaziamentos, ultrapassagens , e campanhas contra as declarações proferidas pelos seus/suas autores, dando-lhes outros sentidos, que se sabe que não têm.
Pecha, aliás, também de muitas associações heteros.

Recordemos, porém, que aquilo a que chamamos "um movimento lgbt" é plural, e não nasceu, nem se desenvolveu nem existe, hoje em dia,
devido a um só partido, ou um grupo associativo como erradamente alguns querem fazer crer. Todos os movimentos são plurais, tal como é o movimento dos movimentos, a que nos orgulhamos de pertencer, e que tem como lema não excluir ninguém, e do mesmo modo o glbt. Assim....

.... TEMOS HISTORIA

A luta LGBT vem de antes do 25 de Abril, ANTONIO BOTTO, CESARINY DE VASCONCELOS, ARY DOS SANTOS são alguns dos seus ícones, intensificou-se logo depois, pelo que já no dia 13 de Maio 1974, surgia um Manifesto "Pela Liberdade Sexual" na imprensa, Diário de Noticias e Diário da Manhã, onde algumas das reivindicaçoes aí expressas, ainda hoje tem plena validade. Por outro lado, essa luta tem sido feita de inúmeras iniciativas que não passam por nenhum tipo de instância política-partidária para precisarem de ser credenciadas, e nem por isso são menos válidas, ou importantes.
Entretanto, há acções tipicamente de militância , casi sindicalistas, propriamente ditas, como as acções nos tribunais, por ex. as que estão agora
a ser tomadas por uma associação glbt contra um cronista homófobo de um importante jornal diário de Lisboa, ou, criação dos inúmeros sites-portais LGBT portugueses, brasileiros , comerciais e não comerciais, existência de um programa de radio semanal gay -lésbico, único, revistas (só uma portuguesa, e a precisarmos de mais), ou outras, como a formação de grupos de encontro, de listas de discussão, criação de associações, luta contra a sida, anúncios de contactos em jornais, comércios, actuações individuaias, teses universitárias, escritos, onde há a participação dos milhares de pessoas que nem sequer vão às Marchas/arraiais LGBT espalhados por todo o país, nem se revêm nas associações.
Isso sem falar nas iniciativas dos próprios militantes-simpatizantes partidários, tomadas geralmente a partir de consultas realizadas apenas entre
eles próprios.

Devo dizer que se queremos que este "movimento" - algum dia - chegue a autênticos consensos, para alargar a sua base de apoio, a respeito de
pontos, datas, actividades, exposições, acordos, comunicados, é necessário PRIMEIRO, que os seus diferentes integrantes se reconheçam todos como igualmente válidos e dignos de respeito. Só depois disso, ele pode sair do impasse em que está, para iniciar diálogos abertos com outros patamares.
Neste sentido, sobretudo, os ligados a certa extrema esquerda , que parecem particularmente afectados pelo vírus da arrogância, devem perceber que sua maneira de fazer política, a sua visão de política, a sua visao dos gays e lésbicas, é apenas uma entre outras válidas, e não a voz da sabedoria e das certezas. Tem de aprender a respeitar a história de todos nós, e das mulheres e homens que têm construído esta diversidade, e que não se revêm, bem ou mal, nessas posturas. Devem discordar com argumentos, não com golpes, ou tácticas golpistas, onde quem não é do grupo, passa a ser chamado, nojenta/o, vendido, oportunista, ignorante e outros epítetos-tácticas desqualificantes, a que
temos assistido entre nós, regularmente, desde há já tempo demais, com o objectivo de os destruir.

Temos de saber ser humildes, ao menos o suficiente, para não nos arvorar em profetas, desviando-nos, inutilmente da nossa proposta de sermos políticos, sem sermos partidários, enquanto militantes desta Causa.
Enfim, então os gays e lesbicas portugueses agradecem, e o movimento social que agora surge, com mais força, e mais pujança também. Ajudemo-lo portanto, a crescer, e a independentizar-se. Dos partidos pouco esperemos . Temos de ser nós gays e lesbicas, heteros, todos, a libertar-nos por nós próprios.

HOMOSSEXUAIS DE TODO O M UNDO UNI- VOS!
EIS um desafio importante para homos e heteros! Porque acreditamos que
Um mundo diferente é possivel !

AS

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